Pedro Almodóvar foi tão longe no mergulho íntimo e pessoal no estupendo Dor e Glória, que a retomada de seus temas usuais em Mães Paralelas só não cai na mesmice pelo pano de fundo político. Disponível na Netflix, o drama tem como alicerce a sombra da ditadura imposta por Francisco Franco entre 1936 e 1975. É a oitava parceria entre o mestre espanhol e Penélope Cruz, que está na briga pelo Oscar de melhor atriz. A estrela e a revelação Milena Smit são Janis e Ana, duas mães solteiras que se conhecem em pleno trabalho de parto na maternidade em que dão à luz suas filhas, quase que simultaneamente.
Em seus 50 anos de cinema, Almodóvar foi o pai de muitas mães e aqui monta um painel heterogêneo da maternidade. Às vésperas dos 40 anos e com instinto materno aguçado, a fotógrafa Janis conforta Ana durante as contrações. Ana, por sua vez, ainda não saiu da adolescência e nem tem certeza de quem é o pai da criança. Já a mãe dela, Teresa (Aitana Sánchez-Gijón), é uma atriz obcecada pela carreira e tem presença apenas protocolar como mãe e avó. Quem embrulha as personagens é a Espanha, Mãe Pátria que perdeu muitos filhos nos anos de chumbo. O processo para a escavação de uma fossa com corpos de desaparecidos do regime franquista, entre eles o bisavô de Janis, se entrelaça a um imbróglio que vai repelir e aproximar as protagonistas.
Almodóvar transformou em grife seu domínio cênico. As cores fortes, os cenários rebuscados e suas mulheres à beira de um ataque de nervos estão nos lugares certos em Mães Paralelas. Há, porém, desacertos narrativos. A relação entre Janis e Ana toma contornos inesperados e inverossímeis depois de uma revelação. Talvez seja exagero dizer que a trama se desenvolve a fórceps, mas não tivesse duas atrizes tão intensas e autênticas em cena, Almodóvar estaria em apuros. Rossy de Palma (Toc Toc), outra almodovariana de carteirinha, engrossa a rede de sororidade como uma editora poderosa e amiga de Janis.
Madres Paralelas envolve o público com seu melodrama rasgado, embalado pelos inebriantes acordes de Alberto Iglesias, outro parceiro fiel do cineasta e indicado ao Oscar pela trilha sonora. O antropólogo forense Arturo (Israel Elejalde) faz a ponte entre o núcleo materno e o político, mas o enredo tem dificuldades em unir as duas histórias sem artifícios. Embora chegue a solavancos, o desfecho é emocionante, engajado e feminino, como todo bom filme de Almodóvar. Só não é ótimo.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Mães Paralelas/Madres Paralelas
Direção: Pedro Almodóvar
Duração: 123 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Espanha, 2021
Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Aitana Sánchez-Gijón, Rossy de Palma, Israel Elejalde
Distribuição: Netflix