Martin Eden

Tem-se comentado muito o fato de o italiano Luca Marinelli (Entre Tempos) ter sido o único ator, na temporada de premiações, a vencer Joaquin Phoenix como Coringa, no Festival de Veneza 2019. Ele realmente faz um ótimo trabalho no instigante drama Martin Eden, mas os méritos da produção italiana vão bem além de sua atuação. A trama é adaptada do romance homônimo do norte-americano Jack London (1876-1916), autor da obra que inspirou O Chamado da Floresta, outra estreia recente nos cinemas.

O diretor Pietro Marcello (A Boca do Lobo) ousa na transposição da história do início do século 20 nos Estados Unidos para a italiana Nápoles dos anos 1930. Também corroterista, ele combina registros e referências de várias épocas, nos figurinos e nas ambientações, criando uma atemporalidade instigante para a luta de classes e a exploração do trabalho que está no cerne da obra de Jack London. A narrativa se divide em dois grandes atos. O primeiro apresenta o protagonista e seus desejos. Martin Eden é um operário braçal, genioso e atraente, que vive num cômodo alugado na casa da irmã e viaja pelos mares trabalhando em navios. Um dia, socorre um jovem espancado no porto, que o leva para uma refeição em seu palacete. O apelo da riqueza, dos livros e da arte ressoa em Martin tanto quanto a beleza de Elena (Jessica Cressy), a inocente e altiva caçula da família. A faísca da paixão é imediata, mas contida.

O encontro desperta a sede de conhecimento em Martin, que devora os livros que compra em sebos e alimenta a pretensão de se tornar escritor. Apesar das inúmeras recusas de publicação de seus textos, ele assume uma certa soberba por seu autodidatismo e desenvolve uma visão própria e polêmica sobre o socialismo em alta no país. Mas tudo muda, no segundo ato, quando se envolve com ativistas socialistas, apesar de suas convicções, e torna-se um escritor de imenso sucesso, tão venerado como perturbado, talvez, pela hipocrisia que vive e que o cerca.

O vigor da interpretação de Marinelli dá à trajetória do belo, pungente e provocante Martin Eden de Pietro Marcello algo de drama histórico, universal, ainda que os densos embates políticos provoquem tropeços na fluidez da trama. É bom lembrar que o romance é considerado um dos mais autobiográficos de Jack London, que trabalhou em navios para sobreviver, foi para o Canadá e Alasca na febre do ouro, devorou livros e em poucos anos se tornou best-seller. Não será de admirar se você sair da sessão com vontade de ler o livro e a obra de Jack London, o que é mais um mérito dessa adaptação.  

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