O pernambucano Hilton Lacerda é um autor inovador e provocador, cuja obra retrata o Brasil das minorias. Às vezes como roteirista – Big Jato, A Febre do Rato e A Festa da Menina Morta –, outras em jornada dupla, também como cineasta. Vencedor dos prêmios de melhor filme e melhor roteiro pelo júri oficial, na última edição do Festival do Rio, Fim de Festa é seu segundo longa de ficção, seis anos depois do ainda mais premiado Tatuagem, novamente estrelado por seu conterrâneo Irandhir Santos. Esse é um ator capaz de tudo, dono de um talento espantoso.
Se em Tatuagem ele viveu um performer libertário que tem um caso com um jovem soldado em plena ditadura, em Fim de Festa interpreta o taciturno policial Breno, cujas férias carnavalescas são abreviadas quando uma turista francesa é brutalmente assassinada durante a folia. A trama abre na ressaca da Quarta-feira de Cinzas e se divide em cinco capítulos, um para cada dia a partir da chegada de Breno de surpresa em casa, onde se depara com o filho (Gustavo Patriota), uma amiga de infância e mais um casal vivenciando com vontade o amor livre – e fluido.
A francesa morta veio ao País acompanhada do marido brasileiro (Ariclenes Barroso, Aspirantes), da sogra e seu esposo francês. A presença da família toda e os nervos à flor da pele do viúvo levantam suspeitas. O caso policial é previsível, mas funciona como fio que enlaça uma trama emaranhada por nós que nem sempre desatam. Há algo de obscuro no passado de Breno, relacionando a um grande amor, mas o mistério fica no ar. Um dos amigos do filho é um tipo dúbio e espaçoso, que incomoda Breno, mas o cineasta deixa por isso.
Sempre engajado, Lacerda cria situações para externar sua revolta com a atual ordem política. O jovem quarteto romântico provoca escândalo na praia pelo topless das moças e são repreendidos por banhistas, que chamam seguranças e clamam que “querem o Brasil de volta”. O diretor ainda recorta a narrativa com extratos poéticos de imagens do Carnaval de rua do Recife, embalados por textos em off contra a repressão policial – algo que não se reflete na atitude de Breno e seu parceiro de investigação. Como se não bastasse, ainda coloca um drone em ação para criticar a invasão de privacidade.
É clara a metáfora de um Brasil que lhe parece caótico, inaceitável, mas Lacerda atira para tantos lados em busca de um efeito de sentido que seu tiro só não sai pela culatra porque ele conta com Irandhir Santos. Com um personagem de poucas palavras e muitos significados, o ator serve de âncora para os devaneios do diretor. É impossível tirar o olho desse homem prestes a explodir, só que não.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Fim de Festa
Direção: Hilton Lacerda
Duração: 94 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Brasil, 2020
Elenco: Irandhir Santos, Suzy Lopes, Gustavo Patriota, Amanda Beça, Safira Moreira, Leandro Vila, Ariclenes Barroso
Distribuição: Imovision