Estranha Forma de Vida

Um jovem de traços angelicais entoa o fado de Amália Rodrigues, “Estranha Forma de Vida”. É pelo rosto do espanhol Manu Ríos (série Elite) que passeia a câmera de Pedro Almodóvar. Mas a voz é de Caetano Veloso, amigo das antigas do cineasta. A canção ilustra a abertura, é título e tom do melancólico curta, o segundo em língua inglesa, depois de A Voz Humana (2020), estrelado por Tilda Swinton. Estranha Forma de Vida é Almodóvar afiado e ousado, como sempre. São 30 minutos, mas a versão que está nos cinemas vem muito bem acompanhada por uma entrevista exclusiva, na qual o diretor destrincha cada pedacinho desse pequeno grande filme.

Ao som de Caetano, vemos um caubói se aproximar de uma cidadela do Velho Oeste. É Silva, na pele de Pedro Pascal – claro que Almodóvar o viu na série The Last of Us. O assassinato de uma mulher e a caça ao criminoso são os motivos que o levam àquele cenário inóspito, onde há 25 anos viveu um ardente romance com Jake, o atual xerife. Cada dia melhor, Ethan Hawke (saga Antes do Amanhecer) faz o homem da lei. Não se vê a noite do reencontro, mas a forma como seu olhar percorre o corpo nu de Silva na manhã seguinte diz tudo.

Faz 18 anos que Heath Ledger e Jake Gyllenhaal comoveram o mundo como os caubóis apaixonados de O Segredo de Brokeback Mountain, que deu a Ang Lee o Oscar 2006 de melhor direção. Inevitável citar, mas difícil comparar. São histórias de desejos reclusos, mas o próprio Almodóvar ressalta, na entrevista, que no primeiro os amantes são jovens caubóis de pastoreio, enquanto os seus são pistoleiros na meia-idade. Detalhe. É curioso, porém, que o diretor que transgrediu com vontade ao filmar o sexo gay em A Lei do Desejo (1987), com seu muso Antonio Banderas, aqui favoreça a sutileza.

O erotismo pulsa em Estranha Forma de Vida. Almodóvar faz a energia sexual transbordar da tela sem jamais ser explícito. É coisa de mestre, mas fruto da maturidade também. O ardor reprimido explode nas cores quentes, nos figurinos, na direção de arte, na trilha sonora. Na maior parte do tempo, os amantes relembram o passado e fantasiam o futuro, enquanto lidam com um presente espinhoso. Como fazer justiça com um crime que atinge as famílias de ambos?

Assistir à entrevista é outro deleite. Com uma doçura que é só sua, Almodóvar faz uma leitura do filme. Fala de suas motivações e inspirações, das decisões estéticas e dramáticas, das homenagens a seus ídolos do western. É um cinéfilo de carteirinha, fã de filmes e séries. “São tão bravas quanto os homens, bem masculinas”, diz sobre as mulheres da série Yellowstone, da Paramount+, estrelada por Kevin Costner. Ele até revela como seria a continuação que imaginou para Estranha Forma de Vida. Imperdível.

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