Grace e Edward vão completar 29 anos de casamento. Ela prepara uma antologia de poemas, ele dá aulas de História. Ela reclama da falta de visitas do filho, Jamie, que mora fora. Ele avisa que o rapaz estará com eles no próximo fim de semana. Edward, na verdade, pediu que viesse. Vai comunicar que deixará Grace para morar com outra mulher, e sabe que a esposa precisará de apoio. Essa situação foi vivenciada por William Nicholson, que em 1999 exorcizou a dramática separação dos pais na peça indicada ao Tony The Retreat of Moscow, agora adaptada por ele mesmo para o cinema na estreia Enquanto Houver Amor. Romancista, dramaturgo e roteirista de sucessos como Os Miseráveis e Gladiador, o diretor inglês explora um tema pouco abordado: a separação de casais na meia-idade e com filhos crescidos.
O cenário central é a residência dos protagonistas em Seaford, antiga cidade portuária ao sul da Inglaterra onde Nicholson passou a infância. Nas primeiras cenas vemos Grace e Edward em conversas corriqueiras. Não é preciso muito para notar que ele é um tipo quietão, embora prepare o chá da esposa com carinho. Ela parece ter o impulso de transformar tudo em problema e pelo jeito adora DRs. O descompasso é palpável e ganha força em um comentário de Edward: “Sinto que tudo o que eu disser vai estar errado”. Difícil imaginar alguém melhor para encarnar esse espírito oprimido do que o minimalista Bill Nighy (Questão de Tempo). Já Annette Bening (O Relatório) faz a crica Grace sem esforço, apesar das derrapadas no sotaque britânico. Enquanto Houver Amor não aponta culpados. Prefere examinar o impacto emocional do rompimento, e o faz com humanidade.
O processo inclui Jamie, vivido por Josh O’Connor – o jovem príncipe Charles da série The Crown. Para escapar do formato teatral, o enredo abre espaço para a vida dele em Londres e suas próprias dificuldades amorosas. Firula desnecessária. O que chama a atenção aqui é que, mesmo adulto, o filho é colocado no meio de campo entre a mãe raivosa e o pai que não olha para trás. Sua maturidade é posta em xeque principalmente na relação com Grace. É deles o diálogo mais belamente escrito do filme, que acontece à beira de um penhasco. Como sentiu tudo isso na pele, o diretor Nicholson calibra a tristeza com pitadas de humor irônico, com direito a um cachorrinho que Grace batiza com o nome do ex-marido.
Passado o choque inicial, Enquanto Houver Amor se debruça sobre as etapas de negação e aceitação. Grace é o foco do processo não só de luto pelo fim do casamento, mas de tomada de consciência da própria infelicidade, da inutilidade de querer controlar tudo e todos e, finalmente, da possibilidade de uma vida diferente. Compreensível que o recomeçar depois dos 60 anos lhe seja assustador. Aos olhos do espectador, em especial dos mais maduros, é uma fascinante jornada de redescoberta e elevação espiritual. Bem bonito.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Enquanto Houver Amor/Hope Gap
Direção: William Nicholson
Duração: 100 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Reino Unido, 2019
Elenco: Annette Bening, Bill Nighy, Josh O Connor, Ryan McKen, Aiysha Hart
Distribuição: Califórnia Filmes