Em Trânsito

Exibido na seleção competitiva do Festival de Berlim de 2018, o filme do cineasta e roteirista Christian Petzold (Barbara, Fênix) deveria vir acompanhado com uma tarja de “obrigatório”. Tudo nesta produção esmerada, primorosa, exala sentido(s) e reflexão. A começar da obra homônima em que se inspira, publicada em 1944, de uma das escritoras alemãs mais combativas do nazismo, Anna Seghers (1900-1983), autora de Os Mortos Permanecem Jovens. Ambientada em 1942, narra a história de um fugitivo do regime nazista, que assume a identidade de um escritor morto e viaja para Marselha na esperança de imigrar para o México. Lá, apaixona-se pela esposa do escritor, que havia abandonado o marido para viver com um médico.

No roteiro, Petzold fez uma pequena alteração, de efeito colossal: trouxe a história para os dias atuais, em uma Europa novamente assolada pelo fascismo alemão, mas agora o alvo são os refugiados, expatriados, vindos de longe ou em circulação entre os próprios países europeus. Assim, quando o alemão Georg (Franz Rogowski, de Happy End) viaja clandestinamente para Marselha e encanta-se por Marie (Paula Beer, de Frantz), o cenário francês e europeu é de autoritarismo, fuga, violência, desamparo, discriminação, vergonha, desterro e solidão. O tempo é agora.

Um narrador comenta os dias de Georg em Marselha, as visitas ao consulado do México para conseguir os documentos para a imigração, os encontros com Marie, seu amante e outros refugiados. O romance parece ser um alívio narrativo para as histórias de desolação que cercam Georg, mas o que as transforma em relatos líricos, quase-poesia cinematográfica, é o belíssimo texto do roteiro, emoldurado por sequências cuidadosamente construídas.

Em Trânsito é original, raro, de triste beleza e aparente simplicidade no retrato de um futuro aterrador. O primeiro fotograma traz dedicatória ao cineasta e artista plástico Harun Farocki (Imagens do Mundo e Inscrição da Guerra), de quem Petzold foi assistente no início de carreira. Os créditos finais são exibidos ao som do clássico “Road to Nowhere”, que David Bowie escreveu para o grupo Talking Heads, em 1985. Entre eles, a contundente visão – ou aviso? - do cineasta de um presente inquietante cujo desdobramento poderia mesmo ser uma estrada para o nada, o desumano.  

Ficha Técnica

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