Há uma sequência no drama biográfico Camille, quando a jovem fotojornalista volta à França depois de meses morando na República Centro-Africana a trabalho, e vai dançar numa balada à noite com uma amiga. O contraste entre o conforto e os prazeres da vida na França e a miséria e os sacrifícios da vida no país africano nocauteia o espectador muito antes de a própria Camille expressá-lo em seu olhar. O colorido artificial do neon da pista choca-se com o colorido natural e tradicional das roupas e da vida dos ‘outros’ amigos de Camille do lado debaixo do Equador.
E assim, sutil, mas com veemência, está posto o tema do clássico conflito entre colonizadores e colonizados, poder e exploração, manipulação e resistência. É nesse registro pujante, dinâmico, conciso, essencialmente imagético e metafórico, que o diretor e coautor do roteiro Boris Lojkine narra a história de Camille Lepage, morta aos 26 anos, em 2014, depois de registrar com sua câmera, por quase dois anos, o conflito armado na República Centro-Africana.
Com suas raízes documentais, Lojkine tem a colaboração determinante da fotografia e edição afinadas. Com a primeiraa, calibrou a textura e a estética das imagens captadas para o filme com aquelas das fotografias originais de Camille. Com a segunda, combinou-as num conjunto tão genuinamente autêntico e contínuo que quase não se nota, ou se estranha, a fusão das duas linguagens. Além disso, a atriz Nina Meurisse (A Vida de Uma Mulher) encarna a vivacidade, inocência e humanidade de Camille com franqueza irresistível, em meio a um elenco misto de intérpretes profissionais e amadores e locações no próprio país.
Camille já havia trabalho no Sudão antes, quando ainda acreditava que suas fotos poderiam, de alguma forma, denunciar e ajudar o país. Ela ouve de um editor veterano que faltava uma história às suas imagens. É a história do violento conflito entre os Seleka, grupo de rebeldes muçulmanos, em sua maioria, e os anti-Balaka, cristãos, que ela decide contar, encantada com o que viu e conheceu do continente africano. Totalmente freelancer, Camille acompanha protestos, faz amizade com universitários que a acolhem, dispara cliques.
Jornalistas profissionais franceses também a acolhem, trocam contatos e informações. Suas imagens flagram chacinas, decapitação, hospitais em agonia, e ganham as páginas dos jornais na França. De seu país natal chega a ajuda militar, que pouca diferença faz. Quando Camille decide se embrenhar ainda mais no confronto armado, ela e nós já sabemos que há razões muito mais profundas e complexas para o caos que ela flagra com sua lente do que a religião. E que sua trajetória, irmanada na luta por um país e um mundo melhor, seria mesmo a crônica de uma morte anunciada.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Camille
Direção:
Duração: 90 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França, 2019
Elenco: Nina Meurisse, Fiacre Bindala, Ousnabee Zounoua, Abdouraouf Diallo, Bruno Todeschini, Grégoire Colin
Distribuição: My French Film Festival