O pequeno Buddy não vê sentido no ódio que os protestantes nutrem contra os católicos que moram no mesmo bairro proletário que ele, em Belfast. Ainda mais porque está enamorado por uma menina de outra religião. Tudo é tão simples na visão dessa criança que a gente quase acredita que a paz é possível. Só que não. Nem hoje, em plena guerra na Ucrânia, nem na capital da Irlanda do Norte no final dos anos 1960. Para relembrar sua infância, Kenneth Branagh encontrou um alter ego fofucho no estreante Jude Hill. É por seu olhar inocente que se descortina Belfast, premiado com o Bafta de melhor filme britânico e o Oscar de roteiro original.
Em outra atuação estupenda, Judi Dench forma par com Ciarán Hinds como os amorosos avós de Buddy e pais do personagem de Jamie Dornan. O diretor cercou-se de conterrâneos. Hinds e Dornan são irlandeses, assim como Caitriona Balfe, que interpreta a mãe de Buddy e do outro filho do casal. O drama histórico e familiar se passa em 1969, no início de um ciclo de violência que durou mais de três décadas. Aos 9 anos de idade, Buddy se assusta com a barricada erguida no fim da rua para conter os ataques de protestantes, a favor dos laços com o Reino Unido, contra os católicos que defendem a soberania do país.
Branagh passeia entre a dramaticidade de suas adaptações shakespearianas, como Hamlet, e a doçura fabular de Cinderela. Além de atenuar a gravidade do confronto armado, a perspectiva infantil impede que a crise familiar se aprofunde. Mãe e filhos sofrem com a ausência do pai, que passa a semana em Londres a trabalho. Pressionado por milicianos protestantes a entrar para a luta, ele começa a considerar a mudança de todos para a Inglaterra, ou para a Austrália. Por tabela, o cineasta ilumina a questão migratória. Deixar o lar, abandonar amigos e parentes em troca da segurança em terra estrangeira. São escolhas complicadas, mas a abordagem é sutil até demais.
As sequências de batalha são bem orquestradas e a canção “Down to Joy”, do também irlandês Van Morrison, traduz o espírito da época. Belfast é de um preto e branco belíssimo. Parceiro frequente, o diretor de fotografia Haris Zambarloukos faz inserções de cor em momentos únicos – algo que Spielberg realizou com maestria em A Lista de Schindler. Apesar do contexto histórico, as memórias de Kenneth Branagh são alegres. Aos 61 anos, 41 deles dedicados ao cinema e ao teatro, o astro irlandês faz seu trabalho mais pessoal. É muito bonito. Não é, porém, o ápice de sua trajetória como cineasta.
Trailer
Ficha Técnica
Título: Belfast
Direção: Kenneth Branagh
Duração: 98 minutos
País de Produção/Ano: Reino Unido, 2021
Elenco: Jude Hill, Jamie Dornan, Judi Dench, Ciarán Hinds, Caitriona Balfe, Lewis McAskie
Distribuição: Universal Pictures
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