A Mulher que Fugiu

Há quem diga que o cinema de Hong Sang-soo é sobre o nada. Errado. É sobre a vida, o ser humano, sobre tudo. Figurinha carimbada dos grandes festivais, em especial Berlim e Cannes, ele filma com tamanha simplicidade e assiduidade que seguiu firme em plena pandemia de Covid-19. A Mulher que Fugiu ganhou o Urso de Prata de Melhor Direção no Festival de Berlim de 2020. Para os não iniciados em sua cinematografia, vale saber que o sul-coreano não caminha na linha narrativa tradicional. O cotidiano é a matéria-prima de histórias erguidas sempre sob a premissa “beber, comer e conversar”.

Outras marcas registradas: o cinema no pano de fundo, seja por um personagem ou por uma locação, e, Desde Certo Agora, Errado Antes (2015), a presença constante de Kim Min-hee, sua musa dentro e fora das telas. Em A Mulher que Fugiu ela é Gam-hee, uma florista que aproveita que o marido está em viagem de negócios para visitar três amigas que vivem fora de Seul. É a primeira vez que fica sozinha em cinco anos de união. “Nem por um único dia”, conta. “É o que ele quer, ele diz que as pessoas apaixonadas devem ficar sempre juntas.” Como as amigas e o espectador recebem essa informação é pessoal, daí o fascínio do cinema de Sang-soo. Por aqui, não soa nada bem.

O enredo se divide em três capítulos, um para cada amiga. A primeira, Young-soon (Seo Young-hwa), é divorciada; a segunda, Sou-young (Song Seon-mi), tem casos corriqueiros e o atual é um homem casado; e a terceira, Woo-jin (Kim Sae-Byuk), vive há anos com um cineasta e antigo amor de Gam-hee. Os diálogos são sutis. Elas falam sobre relações amorosas e de assuntos corriqueiros, como o gosto da protagonista por carne. Os mais atentos, porém, pegam no ar revelações que explicam o estado de espírito da personagem e sua mudança de postura no decorrer da trama.

O universo é feminino e é curioso como o diretor trata as figuras masculinas como intrusas ou incapazes de acrescentar algo positivo na dinâmica entre as amigas. A conversa de Gam-hee com o ex-namorado (participação especial de Kwon Hae-hyo, colaborador frequente do cineasta) fecha com maestria o arco dramático. Mas o melhor e mais inusitado confronto entre os sexos ocorre na parte 1, quando o novo vizinho de Young-soon pede para que pare de alimentar gatos de rua que entram no condomínio. Ele alega que a esposa não gosta do animal. A maneira como o pedido é negado é de uma calma sensacional. Só vendo.

Ficha Técnica

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