domingo, 01 de junho de 2025
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Somos Todos Um


Somos Todos Um

Novembro é um mês especial. Em 3/11, celebra-se o Dia da Solidariedade. Em 13/11, o Dia Mundial da Gentileza. Em 16/11, o Dia Internacional da Tolerância. OQVER Cinema & Streaming não podia deixar de comemorar as datas com uma seleção de filmes que nos estimulam a exercitar esses sentimentos nobres. Já nos encaminhando para o final do ano, é bom lembrar que ser mais solidário, gentil e tolerante é um propósito renovador para 2020.

Quem sabe assim, um filme como Boy Erased: Uma Verdade Anulada, sobre um garoto enviado pelos pais conservadores para um “reformatório” de homossexuais, não seria privado de estrear no cinema, como aconteceu no Brasil neste ano de 2019. O mesmo aconteceu com O Mau Exemplo de Cameron Post, que ganhou em todo o mundo um circuito restrito nos cinemas, inclusive no Brasil, apesar de premiado no prestigiado Festival de Sundance. Desta vez uma garota é obrigada a seguir o mesmo caminho da conversão heterossexual.

Mais sorte, no âmbito comercial, teve Green Book – O Guia, vencedor de três Oscar, com a comovente história da improvável amizade entre um bem-sucedido pianista afro-americano e seu truculento motorista ítalo-americano nas conservadoras estradas do sul dos Estados Unidos nos anos 1960. E o que dizer da intolerância ao diferente, explorada com ternura em Extraordionário? A história do garotinho com uma deformidade facial arrancou muitas lágrimas mundo afora, e deu uma tocante demonstração do poder da generosidade e do amor.


Drama
Boy Erased: Uma Verdade Anulada/Boy Erased

Boy Erased: Uma Verdade Anulada/Boy Erased

Por SUZANA UCHÔA ITIBERÊ

A “cura gay” é tema de duas importantes produções recentes. O Mau Exemplo de Cameron Post (veja abaixo) Boy Erased: Uma Verdade Anulada, baseado no livro de memórias do ativista americano Garrard Conley. Indicado ao Globo de Ouro de melhor ator em drama, Lucas Hedges (O Retorno de Ben) interpreta o filho de um pastor da igreja batista de uma cidade do Arkansas. Quando o rapaz revela aos pais que “pensa em garotos”, é enviado a um programa de terapia para a cura da homossexualidade.

Russell Crowe e Nicole Kidman estão em total sintonia como esse casal que, sim, ama e só quer bem ao filho. Não há vilões nessa história, apenas pessoas com crenças e valores profundamente equivocados. Daí o filme ser um apelo tão pungente pelo amor incondicional.  

Boy Erased: Uma Verdade Anulada/Boy Erased

Quem comanda o tal centro é o personagem de Joel Edgerton (O Presente), que também produz, dirige e escreve o roteiro, este último em parceria com o autor do best-seller. Garrard Conley expõe sem concessões tudo o que passou naquele antro de pregadores religiosos, cujos métodos de conversão mereciam virar caso de polícia.

O tema é controverso e o cineasta não cai na armadilha da panfletagem LGBT. Boy Erased explora uma realidade absurda, através da jornada desse jovem que considera abrir mão de si mesmo para não decepcionar os pais. É o perigo da autodestruição que fala mais alto nessa desesperada busca pela aceitação – de si mesmo e dos outros. Sofrido à beça.




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Ficha Técnica

Título: Boy Erased: Uma Verdade Anulada/Boy Erased
Direção: Joel Edgerton
Duração: 115 minutos

País de Produção/Ano: EUA/Austrália, 2018
Elenco: Lucas Hedges, Nicole Kidman, Russell Crowe, Joel Edgerton, Madelyn Cline, Victor McCay, Joe Alwyn, Xavier Dolan, Troye Sivan
Distribuição: Universal Pictures



Drama
O Mau Exemplo de Cameron Post/The Miseducation of Cameron Post

O Mau Exemplo de Cameron Post/The Miseducation of Cameron Post

Se o tema é delicado ainda hoje, numa pequena e conservadora cidade do interior dos Estados Unidos em 1993, mais ainda. No baile de formatura, Cameron (Chloë Grace Moretz, de A 5a Onda) vai acompanhada do namorado, mas ele a falgra num tórrido momento com a melhor amiga. Dias depois, Cameron é levada para o centro God’s Promisse (Promessa de Deus), coordenado pelo reverendo Rick (John Gallagher Jr., de Rua Cloverfield, 10), ex-gay, e sua irmã e terapeuta linha dura, Dra. Lydia (Jennifer Ehle, de Amizades Improváveis).

No centro, Cameron convive com vários jovens com questões semelhantes, submetidos a uma lavagem cerebral moral em nome de determinados preceitos religiosos, a exposições desconfortáveis, sessões de terapia invasivas, nenhuma privacidade. Adolescente em busca de sua própria identidade, Cameron se questiona, duvida de suas preferências sexuais, de sua fé. Forçada a conviver com os colegas do centro, descobre afinidades com Jane (Sasha Lane, de Docinho da América) e Adam (Forrest Goodluck, de O Regresso).

O Mau Exemplo de Cameron Post/The Miseducation of Cameron Post

Adaptação do romance homônimo de Emily M. Danforth, que não é autobiográfico, mas retrata situações conhecidas pela autora, O Mau Exemplo de Cameron Post saiu do prestigiado Festival de Sundance vencedor do Grande Prêmio do Júri. A diretora e corroteirista Desiree Akhavan escolheu narrar a história de Cameron num registro contido e espelha nas imagens o peso da opressão sobre seus jovens personagens, incapazes de se expressar verdadeiramente. Talvez Desiree tenha sido discreta demais no desenho de Cameron – sabemos menos dela do que de muitos de seus companheiros de infortúnio. Talvez o filme responsabilize demais as famílias disfuncionais pelo motivo que levou aqueles jovens até o centro.

É certo, porém, que representar o pulsante desejo adolescente homossexual e tratá-lo com naturalidade, ainda choca. Apesar do prêmio em Sundance, O Mau Exemplo de Cameron Post teve dificuldades para ser exibido nos cinemas americanos, ganhou um circuito mínimo e a bilheteria ficou longe de cobrir os valores de produção. Ainda bem que podemos assisti-lo por aqui.




Trailer

Ficha Técnica

Título: O Mau Exemplo de Cameron Post/The Miseducation of Cameron Post
Direção: Desiree Akhavan
Duração: 91 minutos

País de Produção/Ano: EUA, 2018
Elenco: Chloë Grace Moretz, Sasha Lane, John Gallagher Jr., Emily Skeggs, Forrest Goodluck, Owen Campbell, Jennifer Ehle, Quinn Shephard
Distribuição: Pandora Filmes



Comédia Dramática
Green Book - O Guia/Green Book

Green Book - O Guia/Green Book

Por SUZANA UCHÔA ITIBERÊ

Grande vencedor do Oscar 2019, Green Book - O Guia levou as estatuetas de melhor filme, ator coadjuvante (Mahershala Ali) e roteiro original. O green book do título era um livrinho de capa verde que indicava os estabelecimentos seguros para afro-americanos nos Estados Unidos dos anos 1960. É com ele a tiracolo que o motorista Tony Lip (Viggo Mortensen, indicado a melhor ator) percorre o sul segregacionista do país tendo a bordo o Dr. Don Shirley (Mahershala Ali), o renomado pianista afro-americano que vai se aventurar por aquelas bandas para fazer concertos em clubes e mansões de brancos ricos.

Para Tony Lip, ítalo-americano glutão, fanfarrão e dono de um soco potente, a turnê é ganha-pão enquanto a casa de shows da qual ele é leão de chácara passa por reformas. Para o Dr. Don Shirley, homem letrado, de comportamento pomposo e muito dinheiro no bolso, aquela é uma travessia de confronto (e encontro) pessoal.

Green Book - O Guia/Green Book

A história é real e narrada com humor peculiar por Peter Farrelly, diretor de comédias rasgadas como Quem Vai Ficar Com Mary? e Debi & Lóide, que aqui abaixa o tom e aposta no agridoce. As comparações com o clássico Conduzindo Miss Daisy foram imediatas e são inevitáveis, principalmente pela inversão da posição entre patrão e empregado. Green Book é a história da inesperada amizade entre dois homens diferentes em quase tudo - raça, cultura, classe, personalidade -, mas que compartilham o sentimento de inadequação.

Claro que a mensagem que grita mais alto é contra o racismo, porém é justamente nesse ponto que o enredo não escapa dos clichês e caminha para o final previsível. Mas até ali a jornada é das mais prazerosas.




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Ficha Técnica

Título: Green Book - O Guia/Green Book
Direção: Peter Farrelly
Duração: 130 minutos

País de Produção/Ano: EUA, 2018
Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini
Distribuição: Diamond Films



Drama
Extraordinário/Wonder

Extraordinário/Wonder

Em uma entrevista, o roteirista e diretor Stephen Chbosky (As Vantagens de Ser Invisível) contou que ao ler o best-seller de R.J. Palacio, muito antes de se envolver com a adaptação para o cinema, ficou impressionado com a destreza literária da autora ao colocar a irmã do protagonista como narradora da história. Adotar o ponto de vista de Via (Izabela Vidovic, a jovem Supergirl) é uma das principais qualidades de Extraordinário, um recurso inteligente para equilibrar o drama, ampliar o foco narrativo sobre os personagens e, em certa medida, imprimir originalidade, frescor e ternura ao filme.

O pequeno Auggie (Jacob Tremblay, de O Quarto de Jack) nasceu deformado em consequência de uma séria doença, que resultou em dezenas de cirurgias. Agora, embora ainda “diferente”, ele está disposto a ir para a escola como todo garoto normal, com o apoio caloroso e integral de sua dedicada família. Embora temam por Auggie, sua mãe Isabel (Julia Roberts em estado de graça), seu pai Nate (Owen Wilson, engraçado no ponto) e Via, sabem que é o certo a se fazer.

Extraordinário/Wonder

Crianças podem ser cruéis, e Auggie tem pontos frágeis mais aparentes e peculiares. A escola costuma ser o primeiro ambiente de socialização, com seus corredores cheios de burburinho, olhares e julgamentos, censuras e aprovações. Para Auggie, ir para a escola é também um ato de grande coragem. Com linguagem jovem, ágil e interferências gráficas que pontuam e fazem o contraponto das sequências mais dramáticas, Stephen Chbosky apresenta o ritual de passagem de Auggie, do lar para o mundo, como uma aventura dramática de conjunto.

Com e como Auggie, seus pais, sua irmã, os novos amigos dele e dela, a escola, todos estão aprendendo a viver este novo momento. Não há como não ser sentimental com os desafios do garoto em sua nova vida. Mas Chbosky e seu elenco impecável demonstram que todos somos, em nossa individualidade, diferentes, e com gentileza, generosidade, aceitação e amor, podemos nos tornar, também, extraordinários.




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Ficha Técnica

Título: Extraordinário/Wonder
Direção: Stephen Chbosky
Duração: 113 minutos

País de Produção/Ano: EUA/Hong Kong, 2017
Elenco: Jacob Tremblay, Julia Roberts, Owen Wilson, Izabela Vidovic, Nadji Jeter, Noah Jupe, Mandy Patinkin, Daveed Diggs
Distribuição: Paris Filmes



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Fátima Gigliotti

Fátima Gigliotti

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Cinéfila incorrigível, jornalista, editora, professora (não muito), crítica (chatinha) de cinema e audiovisual. Trabalhou no jornal A Folha de São Paulo, na coleção Cinemateca Veja, nas revistas TVA, Ver Vídeo, Set, Querida e Preview.