O Assassino

Nos primeiros 20 minutos de O Assassino, um matador exalta seu modus operandi enquanto espera pacientemente pelo próximo alvo. Metodologia, estratégia, eficiência e amoralidade são os highlights do perfil que traça de si mesmo. “Atenha-se ao plano. Antecipe, não improvise. Não confie em ninguém. Nunca forneça uma vantagem. Lute apenas a batalha pela qual é pago para lutar. Esqueça a empatia. Empatia é fraqueza. Fraqueza é vulnerabilidade.” No fone de ouvido toca The Smiths, para “impedir que a voz interior divague”.

O que ele chama de processo logístico vai para o ralo quando comete um erro. Esse choque de humanidade quebra a rigidez e coloca o personagem no mundo real. É um início que vale o filme todo, porque o que se segue é uma trivial trama de vingança, que para o público brasileiro tem um gostinho a mais pela presença da brasileira Sophie Charlotte (Meu Nome é Gal). O Assassino entra com alvoroço no catálogo da Netflix porque é capitaneado por David Fincher e estrelado por Michael Fassbender, dois artistas notórios pela obsessão pela perfeição. Assim como o protagonista, porém, precisam encarar que o êxito nunca é 100% garantido.

Depois dos irretocáveis Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995) e Clube da Luta (1999), Fincher manteve seu olhar cirúrgico sobre seres humanos complexos. Como o homem que rejuvenescia em O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), o genial e polêmico cocriador do Facebook, Mark Zuckerberg, em A Rede Social (2010) e o atormentando roteirista Herman J. Mankiewicz em Mank (2020) – pelos quais foi indicado ao Oscar de melhor direção. O Assassino, adaptação da série de quadrinhos francesa Le Tueur, escrita por Matz (Alexis Nolent) e ilustrada por Luc Jacamon, é um projeto de quase duas décadas.

A princípio, Fincher pretendia travar a quarta parceria com Brad Pitt, mas o astro se esquivou por achar o personagem niilista além de conta. Indicado ao Oscar por Steve Jobs (2015) e 12 Anos de Escravidão (2013), o alemão Fassbender é ator destemido, minucioso e nunca menos que intenso, inclusive na pele do jovem Magneto na franquia X-Men. Seu matador é um ser ritualístico e desapegado de princípios morais, que segue à risca os milimétricos ditames que calculou para sua marcha sanguinária. Observe, contudo, como essa figura pragmática deixa escapar um descontrole ao fazer repentinos e efusivos movimentos de braços e mãos.

São os pormenores que fascinam em O Assassino. O som é atento a passos e respiração. A ambientação é desenhada para cada ânimo, porque há momentos distintos no acerto de contas do anti-herói com aqueles que invadiram sua vida privada. Do confronto brutal e animalesco em uma casa de periferia ao diálogo polido e aterrador em um luxuoso restaurante. Neste último, o protagonista interage com a personagem de Tilda Swinton (A Voz Humana), que dá um banho de rigor, elegância e ironia em uma pequena participação. O problema é que a sofisticação dos detalhes não tem base de sustentação narrativa. Há cenas sublimes nessa trama batida e previsível, que se não mancha a carreira de ninguém também não valoriza.

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