Ela Disse

Harvey Weinstein voltou às manchetes em outubro de 2022, dois anos depois da condenação em Nova York por agressão, assédio moral e sexual. O ex-produtor de cinema enfrenta novo julgamento, agora em Los Angeles e pelos mesmos crimes que lhe renderam pena de 23 anos de prisão. O escândalo que sacudiu Hollywood em 2017 revigorou o movimento Me Too. Fundado em 2006 pela ativista norte-americana Tarana Burke, ganhou escala global com o lançamento da hashtag #metoo nas redes sociais. Foi uma injeção de coragem em vítimas que quebraram o silêncio diante da rede de apoio que se ergueu organicamente.

A raiz dessa revolução vem à tona em Ela Disse, em cartaz nos cinemas. Já cotadas para o Oscar, Carey Mullligan e Zoe Kazan interpretam Megan Twohey e Jodi Kantor, repórteres do jornal The New York Times e autoras da matéria premiada com o Pulitzer. As duas narraram a epopeia no livro Ela Disse, adaptado pela roteirista Rebecca Lenkiewicz e dirigido pela alemã Maria Schrader. Brad Pitt é produtor executivo dessa obra essencialmente feminina, mas com testosterona na veia, que honra o jornalismo investigativo que deu origem a filmaços como Todos os Homens do Presidente (1976), sobre o escândalo Watergate, e Spotlight: Segredos Revelados (2015), acerca de abuso infantil na Igreja Católica.

Uma montagem dinâmica contextualiza o cenário na abertura, com Megan frustrada com a eleição presidencial de Donald Trump em 2016, após publicar uma série de reportagens com denúncias de assédio contra o então candidato. O tempo avança em cortes rápidos que costuram a puxada vida profissional e caseira das protagonistas. Até o momento em que, com o aval da editora Rebecca Corbett (Patricia Clarkson), elas se unem para apurar um diz que diz sobre assédios praticados pelo todo poderoso dono da Miramax. Weinstein entrou para o rol dos magnatas ao produzir sucessos como Pulp Fiction (1996), Shakespeare Apaixonado (1998) e Chicago (2002).

Entre as vítimas célebres, a atriz Rose McGowan liberou uso de imagens suas e Gwyneth Paltrow é citada inúmeras vezes. Quem assume como porta-voz é Ashley Judd, que interpreta a si mesma – palmas para ela. Ao seguir o rastro do predador, Megan e Jodi deparam-se com casos escabrosos envolvendo assistentes, gente simples cujas denúncias foram represadas por uma horda de advogados que as calaram com ameaças e acordos financeiros. Encontrar essas mulheres, ouvir suas histórias e convencê-las a depor foi um desafio descomunal.

A cineasta Maria Schrader se debruçou sobre o machismo estrutural na minissérie Nada Ortodoxa, um retrato da opressão feminina em comunidades de judeus ortodoxos, e criou um humanoide como o parceiro dos sonhos em O Homem Ideal. Ela Disse é um drama histórico com função social aqui e agora. Em Hollywood, o malfadado “teste do sofá” é realidade desde sempre. No recente Blonde, a Marilyn Monroe vivida por Ana de Armas passa por momentos de terror no escritório de um chefão de estúdio. Mas não é preciso ir tão longe. No último dia 8 de dezembro de 2022, durante sessão da Câmara de Florianópolis, o parlamentar Marquinhos da Silva (PSC) beijou à força a vereadora Carla Ayres (PT). Asqueroso e explícito, o assédio foi registrado por câmeras de segurança.

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