Corsage

No trailer de Corsage, Sissi mostra a língua e o dedo do meio. Essa irreverência, contudo, parece resquício da imperatriz consorte da Áustria na adolescência, por sinal um período há pouco retratado na série da Netflix, A Imperatriz. A Isabel da Baviera que rendeu à Vicky Krieps o prêmio de melhor atriz na Mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes é uma mulher amargurada, e fascinante.

O filme escrito e dirigido por Marie Kreutzer (O Chão Sob Meus Pés) foi a seleção da Áustria para o Oscar 2023. Não entrou na final, mas é uma requintada produção de época que conecta a célebre beldade do século 19 com a mulher do século 21. Sissi completa 40 anos na trama ambientada em 1877, quando é oficialmente considerada velha. Deprimida, ouve o “encorajador” comentário do marido, o imperador Francisco José I: “É meu dever controlar o destino do nosso império, seu dever é apenas representá-lo”.

A chamada Ditadura da Beleza define a rotina de Sissi, que mesmo depois de quatro gestações manteve os 50 quilos bem distribuídos nos 1,72 m de altura. Os efeitos do jejum, do banho de vapor, da ginástica, da esgrima e da equitação eram maximizados pelo espartilho, apertado ao ponto do sufoco para criar a “cintura de vespa” que se tornou sua marca registrada. Desde a concepção de Corsage, diretora e protagonista entenderam a obsessão física como reflexo das restrições intelectuais ditadas pela rígida corte de Viena.

No excepcional Trama Fantasma (2017), Vicky Krieps mostra sua destreza em agigantar o minimalismo. Aqui novamente percorre o arco dramático sem firulas, e alcança a alma dessa mulher tolhida pelo papel decorativo que lhe foi imposto. Sua consciência social ganha peso no enredo. Em visitas a sanatórios e hospitais, a imperatriz se compadece do drama das mulheres “histéricas” e de jovens soldados despedaçados pela guerra.

Ficção e realidade se harmonizam na versão de Marie Kreutzer para a etapa final da vida de Sissi. Esse excerto pouco tem da clássica trilogia dos anos 1950, estrelada por Romy Schneider. Desprendida dos fatos, a cineasta lança um olhar lírico e subjetivo sobre essa mulher que é única, e é todas. O destino que a Sissi de Corsage dá para os exuberantes cabelos longos é uma resposta aqueles que consideravam apagado seu espírito indômito. Não foi assim, mas poderia ter sido.

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