Corpus Christi

O drama polonês Corpus Christi foi indicado ao Oscar 2020 de melhor filme internacional. Perdeu para o consagrado Parasita, mas foi premiado mundo afora, inclusive no Festival de Veneza e no Brasília International Film Festival (BIFF), primeiro evento nacional online realizado em abril, onde foi eleito melhor filme pelo júri oficial e pela crítica. O terceiro longa do diretor Jan Komasa é escrito pelo roteirista e jornalista Mateusz Pacewicz, que se inspirou em caso real para contar a história de Daniel (Bartosz Bielenia), um jovem que se fez passar por padre da paróquia de uma pequena cidade da Polônia, país massivamente católico que deu ao mundo o admirado Papa João Paulo II.

Os falsos padres são um fenômeno na Polônia, mas o enredo ultrapassa os limites das fronteiras polonesas e da religião para fazer uma obra universal e atemporal, inquietante e comovente, sobre a condição humana. Daniel cumpre pena em um presídio juvenil e ali encontra conforto na fé católica, tanto que deseja ser padre, mas a ficha suja o proíbe de ir para o seminário. Resta-lhe um emprego numa serralheria no interior do país. Um engano faz com que seja confundido com o padre Tomasz, esperado para substituir o idoso pároco local por alguns dias. Daniel assume a paróquia do vilarejo, desolado por um acidente de carro fatídico que matou sete jovens, inclusive o primogênito de Lídia (Aleksandra Konieczna), responsável pelos serviços na igreja.

É a filha de Lídia, a jovem Eliza (Eliza Rycembel), quem primeiro encontra e recebe Daniel, e lhe serve de guia. Como Padre Tomasz, Daniel ao mesmo tempo teme e abraça a vocação. Ganha confiança nos rituais inicialmente improvisados, e ilumina a comunidade com sermões tão enérgicos como compassivos. Nos fundos de seus aposentos, no entanto, continua a curtir um rock pesado, cigarros, bebida, motos e até sexo, mas é o passado que de novo vem lhe ameaçar e amordaçar.

De sua experiência de documentarista, o diretor Jan Komasa provavelmente trouxe para Corpus Christi a narrativa enxuta e a produção austera. Sua encenação é brilhante, com destaque para o tom gris da belíssima fotografia que aproveita ao máximo a luz natural dos cenários e das locações externas. Não fosse a presença de um celular aqui e acolá, e os hábitos urbanos do falso padre, o tempo do filme poderia estar suspenso entre os dois últimos séculos, tal a rigidez e a simplicidade da vida da comunidade, o que provoca um estranhamento instigante.

Mas é da apurada construção dos personagens, dos diálogos e de seu elenco que Komasa tira a força esmagadora de seu filme, sobretudo da performance cintilante de Bartosz Bielenia e seus expressivos olhos, que invocam os closes da atriz Maria Falconetti de O Martírio de Joana D'Arc (1928). Como a heroína do século 15 do clássico de Carl T. Dreyer, de certa forma, o Daniel/Padre Tomasz de Corpus Christi é um herege dos nossos tempos, queimado na fogueira das vaidades e das regras sociais.

Ficha Técnica

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