Cicatrizes

Guerras, ditaduras e regimes totalitários deixam perdas e marcas, a maioria delas indeléveis. Dentre tantas, Cicatrizes me fez lembrar das Mães da Praça de Maio, argentinas a lutar e chorar por seus filhos mortos ou desaparecidos. Para seu segundo longa-metragem, o diretor sérvio Miroslav Terzic se inspirou na história do tráfico de bebês durante as mais recentes guerras da Sérvia, nos anos 1990, cujo roteiro foi escrito por Elma Tataragic (Deus é Mulher e Seu Nome é Petúnia).

Terzic conheceu uma costureira cujo filho foi dado como morto ao nascer, sem direito a nome, enterro, explicações. Ela trabalhava para a sua tia, em Belgrado. O diretor mergulhou na História (com H maiúsculo mesmo) e descobriu que cerca de 500 bebês tiveram o mesmo destino na mesma época. Nenhum dos casos foi resolvido até hoje. Sua protagonista Ana (a extraordinária Snezana Bogdanovic) é costureira, casada com o cordato Jovan (Marko Bacovic) e mãe da jovem Ivana (Jovana Stojiljkovic). Ela e sua família são marcadas por essa ausência dilacerante, onipresente, da qual quase nunca se fala.

Nos subúrbios de Belgrado, Ana é conhecida no hospital, no distrito policial, no cartório, em qualquer lugar que poderia lhe dar uma pista da verdade sobre o seu bebê, que lhe disseram ter morrido ao nascer imperfeito. Ela sabe que é mentira e não descansou um minuto sequer nos últimos 18 anos para provar sua verdade, mas criou todas as inimizades possíveis em sua cruzada. Ana vaga pela cidade cinzenta, sempre em movimento, como se a dor de parar fosse insuportável. A uma distância discreta, respeitosa, a câmera a acompanha em suas silenciosas andanças, nos afazeres de casa, na família, nas instituições públicas.

É sempre bom lembrar que Terzic traz na bagagem a experiência como assistente nas filmagens de Underground - Mentiras de Guerra (1995), do grande Emir Kusturica, e certamente honra o mestre com seu trabalho em Cicatrizes, produção indicada pela Sérvia para concorrer ao Oscar, que integrou a Mostra Panorama no Festival de Berlim. O diretor fez da sua costura cinematográfica entre o drama e o suspense psicológico o retrato sóbrio e comovente da abnegação de uma mãe, uma mulher, contra o remendo institucional à sua vida e a de seu filho, como estampa a última sequência do filme, memorável.

Ficha Técnica

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