Trilogia de Baztán

A pequena cidade de Elizondo fica no vale de Baztán, em Navarra, uma região campestre ao norte da Espanha, onde a chuva cai em média 180 dias por ano. É preciso conhecer o detalhe pluviométrico para não estranhar a enxurrada de água que cai o tempo inteiro na Trilogia de Baztán, inspirada na obra da escritora Dolores Redondo. A estreia de Oferenda à Tempestade fecha a saga policial formada ainda por O Guardião Invisível e Legado nos Ossos, todos parte do acervo da Netflix. Então a dica é uma minimaratona pelos três filmes.

Essa é a história de Amaia Salazar (Marta Etura), que entra para a força policial de Pamplona, capital de Navarra, com a moral de ter sido treinada no FBI, o departamento federal de investigação norte-americano. Ela é casada com o artista plástico James (Benn Northover), um sujeito extremamente paciente e solidário com a vida atarefada da esposa. O astro argentino Leonardo Sbaraglia (O Silêncio do Céu) é um dos destaques do elenco na pele de  Markina, um juiz que está claramente interessado na protagonista.

Em O Guardião Invisível, a morte de duas adolescentes com os mesmos métodos ascende o alerta para a presença de um serial killer. Amaia é escalada para assumir o caso em sua cidade natal, Elizondo, de onde também eram as duas vítimas. Ali a família dela tem uma confeitaria e dali Amaia guarda lembranças da traumática relação com a mãe, Rosario (Miren Gaztañaga). Ela fica hospedada na casa da tia (Itziar Aizpuru), uma senhora mística que lê cartas e lhe conta histórias de bruxas e seres mágicos que fazem parte do folclore basco. Um deles é conhecido como Basajaun, uma variação do pé grande, que serve de elemento sobrenatural para essa primeira missão.

Se no episódio anterior a protagonista tentava engravidar, em Legado nos Ossos Amaia tem um filho e a questão da maternidade volta a habitar o pano de fundo. O prólogo conta que no século 16, Navarra foi palco de uma sanguinária caça às bruxas durante a inquisição espanhola. O passado sombrio dá dicas do mistério que a detetive terá pela frente. Entre uma tromba d’água e outra, Amaia se divide entre os cuidados com o bebê e uma nova leva de mulheres mortas. Desta vez, porém, os assassinos cometem suicídio e deixam um bilhete com uma mensagem enigmática endereçada à ela: Tartallo, nome de um mitológico ciclope sanguinário que devorava cristãos. Sua mãe Rosario volta à cena e pode estar envolvida com uma seita maligna que tem sido estudada há tempos pela Igreja.  

A trilogia se fecha com Oferenda à Tempestade. É o melhor dos capítulos, com carga dramática elevada. Amaia investiga a morte súbita de bebês e sua ligação com Inguma, um demônio da mitologia basca que suga o fôlego das crianças enquanto dormem. O enredo entrelaça os casos das três partes e cria um painel de horror que tem Amaia como peça-chave. O personagem mais fora de prumo é Aloisius, antigo mentor de Amaia no FBI e a quem ela recorre em momentos de crise. É uma amizade mal explorada e protocolar, que rende orientações clichês do tipo “siga seu instinto” e não acrescenta nada.

O diretor Fernando González Molina comanda as três adaptações, mas vale prestar atenção no nome de Peter Nadermann como produtor. Foi ele quem levou para os cinemas a trilogia Millennium, do sueco Stieg Larsson, outro fenômeno literário marcado pela violência contra mulheres. Diferente do realismo excruciante da saga de justiceira Lisbeth Salander, a espanhola Dolores Redondo injeta altas doses da mitologia basca em seus romances noir. Na Trilogia de Baztán, a inspetora Amaia está sempre na corda bamba entre óbvio e o obtuso.

Ficha Técnica

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