Três Verões

Regina Casé (Que Horas Ela Volta?) e sua Madá são a alma de Três Verões, mas também de um país pouco visto no cinema, e muito mais autenticamente brasileiro. Madá é caseira de uma mansão em Angra dos Reis, propriedade de um casal carioca típico da elite nacional: Edgar (Otávio Müller, Benzinho) e Marta (Gisele Fróes). Dedicada e bem-humorada, ela gerencia os outros empregados, as compras, as encomendas e os serviços extras para as constantes festas e os muitos convidados da família. Ela ainda consegue dar atenção especial ao idoso pai de Edgar, o seu Lira (Rogério Fróes, pai de Gisele na vida real), e fazer marmitas por fora, para completar o orçamento.

De carona na ascensão das chamadas classes D e E dos anos 2000, ela sonha ter o próprio negócio, um quiosque na praia, e consegue um adiantamento do patrão. No primeiro dos Três Verões do filme, em 2015, Madá nem se incomoda quando uma das convidadas a esnoba pedindo cuidado com quadros e objetos caríssimos de artistas brasileiros espalhados pela casa. Com seu jeitinho, faz sushi de salsicha para quem não come peixe cru. Mas no verão seguinte, logo quando seu quiosque está quase pronto, chega a notícia da prisão do patrão na malha fina da Operação Lava-Jato.

Marta foge para o exterior. Madá, seu Lira e os empregados ficam ao deus-dará. O jeito é vender o que sobrou, usar o barco para passeios turísticos e alugar a casa até para locações de filmes. Madá e Lira tornam-se mais que amigos, companheiros de infortúnio. Ele tristonho e inconformado com as falcatruas do filho, ela sem salário e sem saída. E assim, a diretora e corroteirista Sandra Kogut (Campo Grande) faz um retrato fidedigno de um Brasil refém da condição histórica de Casa Grande e Senzala, que se moderniza, mas não se resolve. Seu Três Verões o faz do bem-vindo ponto de vista da “senzala”, com um frescor e humor do qual só Regina Casé, com seu monumental talento e naturalidade, parece ser capaz.

No terço final, no verão de 2017, Madá finalmente revela algo de si, a protagonista de quem não se sabe nada a não ser sua força de vida e de trabalho. Aí o filme escancara sua vocação para uma visão crítica e humanista da herança brasileira que mais parece uma maldição, e da qual Madá precisa de ajuda para se libertar. Regina Casé recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio 2019 e no Festival Antalya Golden Orange, na Turquia. Três Verões foi premiado na categoria de melhor montagem no Festival de Havana. Na entrevista em vídeo logo abaixo, Sandra Kogut diz que Madá é um símbolo de como a alegria pode ser uma forma de resistência. O bom cinema também.

Ficha Técnica

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