Together

O dia é 24 de março de 2020, o primeiro do lockdown britânico para controle da Covid-19. Naquela data, o Reino Unido contabilizava 422 mortes provocadas pelo coronavírus. Essas informações abrem Together (Juntos). A estreia em streaming é um tour de force de escrita, direção e atuação que retrata o impacto de um ano de isolamento na vida de um casal e do filho. Em cena temos o escocês James McAvoy, indicado ao Bafta por Desejo e Reparação e alçado ao estrelato como o jovem Professor Xavier na saga X-Men – e quem não ficou abismado com o psicopata das 24 personalidades de Fragmentado? A seu lado está a inglesa Sharon Horgan, conhecida por comédias como A Noite do Jogo, e cujo tino humorístico contribui para tornar esse confronto tão instigante. Sim, porque os dois não se suportam. Ou assim parece.

Quem comanda a dupla é Stephen Daldry em parceria com Justin Martin, seu diretor assistente em episódios da série The Crow. Indicado ao Oscar por Billy Elliot, As Horas e O Leitor, o cineasta promove a quebra da quarta parede para que o casal compartilhe os acertos e desacertos com o público. O olhar para a câmera ameniza o estilo teatral da verborrágica e agressiva DR, escrita com perspicácia por Dennis Kelly, criador da série Utopia. O sucinto bate-boca de 90 minutos abrange questões íntimas, filosóficas, políticas e sociais que cutucam sem dó o governo britânico durante a pandemia. Mas é um monólogo da mulher (só o filho tem nome, Artie), sobre o destino da mãe idosa em uma casa de repouso, que deixa o espectador acachapado.

Daldry se debruçara sobre uma situação limite no lindo Tão Forte e Tão Perto, com o 11 de Setembro no pano de fundo. Mas ali o registro era melodramático. Together é incisivo. Dividida em 6 partes, a narrativa arma um painel em que pontua fatos marcantes como a internação na UTI do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o escândalo dos asilos, a aprovação da vacina da Pfizer e o caso dos fura-filas da vacinação. Em cada etapa, é informado o número de mortos por Covid-19 no Reino Unido até aquele momento. Em um ano, 422 salta para 126.284. Entre uma divergência e outra, os protagonistas vivenciam a insegurança, a depressão, o medo, a revolta e o desemprego, mas também a solidariedade, o companheirismo, a sexualidade e o amor.

Curioso como os alimentos ajudam a contar a história e a desenhar os personagens. O pai relata a desavença com uma atendente do mercado por causa de beringelas, depois eles contam como cogumelos marcaram o início da relação, e há ainda a plantação caseira de aspargos. O pequeno Artie (Samuel Logan) ouve os quebra-paus da escada, quietinho. O máximo que se vê de interação com o menino é na ajuda no ensino à distância. É ele, porém, em um comentário sobre beringelas, que fecha com brilhantismo o enredo circular. Nenhum deles sai igual do confinamento. Nem eles, nem nós.

Ficha Técnica

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