Som da Liberdade

Filmes baseados “em fatos reais” (haja redundância!) sempre exerceram fascínio sobre o público. Som da Liberdade entra para a lista com as façanhas do agente federal Tim Ballard, mas a projeção mundial tem outros, e polêmicos, motivos. Além da urgência do conteúdo, o tráfico sexual de crianças, o viés político e religioso também sequestrou os holofotes. Em meio aos ruídos da polarização esquerda/direita, o “fato real” é que Som da Liberdade estreou no mercado americano com quase US$ 20 milhões, e as bilheterias mundiais já ultrapassam US$ 210 milhões. Resultado excelente para um filme de baixo orçamento, cerca de US$ 14 milhões, e sem as vultosas campanhas de marketing. Qual seria o motivo do sucesso?

Agente federal orgulhoso do trabalho que tem feito há tempos com sua equipe no combate à pedofilia, Ballard (Jim Caviezel, A Paixão de Cristo) não imagina que pode fazer mais. Certo dia, provocado por um colega de profissão, ele se dá conta de que pode ir além de prender criminosos. Assim mergulha em uma nova investigação e, pela primeira vez, sente a gratificação de salvar um menino das mãos de um pedófilo e devolvê-lo ao pai. Quis o cruel destino que essa mesma criança pedisse para ele salvar sua irmã, também nas mãos de criminosos sexuais. Incentivado pela esposa (Mira Sorvino, Poderosa Afrodite), Ballard se desliga do governo e parte numa perigosa missão de resgate, na Colômbia.  

Filmado no México, Estados Unidos e Colômbia, Sound of Freedom (título original) tem bela fotografia, apesar da podridão do tema. O roteiro poupa o espectador de cenas muito fortes envolvendo as crianças, mas a sugestão é suficiente para provocar repulsa. Por outro lado, ao mesmo tempo em que a trama reserva cenas de ação e tensão, o elenco de não famosos experientes rende pouco. Dos conhecidos, Mira participa quase nada e Caviezel emociona e se emociona na cena pós-créditos, convertida em “mensagem final”, criticada pelos detratores do longa. A trilha sonora do espanhol Javier Navarrete, indicado ao Oscar por O Labirinto do Fauno, é bonita, mas sua onipresença incomoda e acentua o tom melodramático.

Escrito e dirigido pelo mexicano Alejandro Monteverde (Bella), Som da Liberdade começou a ser rodado em 2018, antes de quaisquer polêmicas, teorias conspiratórias e embate entre a mídia de esquerda e o grupo QAnon (Q), associado à direita. Da repercussão negativa, sobram acusações de deturpação da realidade e, pasme, de que atrapalha mais do que ajuda na defesa das crianças. Também chamou a atenção o apoio de Donald Trump e do astro Mel Gibson, em contraponto ao desprezo de Hollywood. Outro objeto de críticas foi o fato de ter sido realizado pela Angel, produtora de viés cristão, que captou parte do capital na popular vaquinha online, o crowdfunding.

Agora, em cima da estreia no forte mercado brasileiro, Tim Ballard é acusado de má conduta sexual quando infiltrado juntos aos traficantes. É inegável a existência de uma campanha contra Som da Liberdade. Os que atacam, contudo, parecem ignorar seu valor como instrumento de denúncia e conscientização de uma tragédia que precisa ser extirpada. Tomara o som dessa gritaria não seja ouvido e a liberdade das crianças seja cada vez mais defendida, sem importar o viés político ou religioso de quem luta por elas.

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