Retablo

No imaginário cristão ou religioso, dos países latinos pelo menos, os retábulos estão sempre presentes, ainda que não nos damos conta deles. Para os católicos, um exemplo é o sacrário, a peça finamente decorada com portinhas em que se guarda o cálice com as hóstias da comunhão. Nas famílias mais tradicionais, é comum encontrar um retábulo com os santos de devoção dos moradores, depositado em local nobre da casa.

Numa longínqua aldeia entalhada no sul do Peru, na província de Ayachuco, aos pés dos Andes, o mestre Noé (Amiel Cayo) é o reverenciado artesão local. Ele confecciona retábulos sob encomenda para as famílias mais ricas, para a igreja e para os turistas, verdadeiras obras de arte. Quem ajuda o mestre na oficina é seu filho único de 14 anos, Segundo (Junior Béjar Roca). O jovem cultiva imensa admiração pelo pai e pelo ofício de artesão, que pretende seguir, para orgulho da sua mãe (Magaly Solier).  

Mas Segundo vai enfrentar um revés inesperado na harmonia pacata de sua vida de adolescente, quando descobre um segredo que põe abaixo os alicerces que erguera para si. É esse amargo e melancólico ritual de passagem, banhado por bucólicas paisagens, emoções latentes e silêncios que o diretor Álvaro Delgado-Aparicio retrata em Retablo. Produzido com apoio do criterioso Instituto Sundance, o filme foi duplamente premiado no Festival de Berlim 2018, e triplamente, no Festival de Havana. 

Como os belíssimos retábulos do mestre Noé, Retablo é uma pequena obra-prima, concebida quadro a quadro, esteticamente encantadora, com múltiplos sentidos. Falado em quíchua, o idioma do povo andino, o filme já traz na premissa uma dura contradição – o artesão indígena e sua arte sacra, o poder missionário do conquistador injetado na veia do nativo. Entre a aldeia e a cidade, a tradição e a herança ‘estrangeira’ se misturam em rituais tão coloridos quanto cruéis. No centro desse complexo nó, com seu amor filial e sensibilidade ímpar, está Segundo. Como ele, nossa civilização precisa amadurecer.    

Ficha Técnica

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