O Orfanato

Qodrat tem 15 anos. De seus pais, não se tem notícia. Ele dorme em um carro abandonado e passa os dias pelas ruas de Cabul, capital do Afeganistão. Seu ganha-pão naquele ano de 1989 é como vendedor de chaveiro e cambista de ingressos de cinema. Apaixonado pelos filmes de Bollywood, o jovem atenua a dura realidade com sua mente fértil, e se imagina astro de produções indianas. Quando é pego no pulo pela polícia durante uma negociata, Qodrat é levado para o orfanato. Ali ele vai conviver com outros meninos e receber educação fiel ao regime intervencionista russo, que dominava o país desde 1979.

O Orfanato foi exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2019, uma mostra paralela voltada às novas vozes do cinema mundial. A diretora afegã Shahrbanoo Sadat é uma delas e seu filme é a segunda parte de uma pentalogia iniciada com Wolf and Sheep (Lobo e Ovelha), inspirada no diário não publicado de Anwar Hashimi, que interpreta o supervisor do orfanato. A história de Qodrat é um típico rito de passagem, que a princípio traz pouca novidade ao retratar a rotina dos órfãos. Mas é preciso levantar o radar para captar o valor histórico dessa obra singela.

Em uma excursão a Moscou, e acompanhados por um grupo de meninas, os garotos entram em contato com a juventude soviética em um acampamento. Ali devem aprender os valores e as tradições daquele país, o que inclui partidas de xadrez em computadores e uma visita ao mausoléu de Lenin. É no retorno a Cabul que a chamada Guerra do Afeganistão ganha espaço na trama, ainda que de forma sutil. Os meninos correm para queimar livros e outros objetos relacionados aos russos, a pedido de um assustado supervisor.

O Orfanato demanda uma pesquisa pessoal do espectador, para entender que o fim de uma década de domínio soviético marcou a retomada das forças afegãs, comandadas pelos Mujahidins. O semblante entristecido das professoras do orfanato, agora obrigadas a se cobrir com o Hijab, anuncia novos e sombrios tempos sob os ditames do Estado Islâmico. É uma ideia paradoxal, a de que a liberdade do jugo da União Soviética lançaria o Afeganistão nas trevas do fundamentalismo. Haja criatividade a Qodrat para achar na fantasia um desfecho positivo para essa história.

Ficha Técnica

Assista Agora!