O Espião Inglês

Quando não está sob o manto do mitológico Doutor Estranho nos filmes da Marvel, Benedict Cumberbatch tem se especializado em dar vida a personalidades do mundo real. Segundo a Variety, já está em desenvolvimento a minissérie da HBO Londongrad, história do agente russo Alexander Litvinenko – aquele que morreu envenenado. Cumberbatch interpretou o polêmico fundador do WikiLeaks, Julian Assange, em O Quinto Poder, e concorreu ao Oscar pelo papel do matemático Alan Turing em O Jogo da Imitação. Depois foi a vez do inventor Thomas Edison em A Batalha das Correntes, o estrategista político Dominic Cummings em Brexit, e agora o comerciante Greville Wynne de O Espião Inglês, disponível na Prime Video. É o tipo mais prosaico da lista, embora tenha vivido circunstâncias extraordinárias e dignas de cinema.

A produção de época é dirigida com elegância por Dominic Cooke (Na Praia de Chesil), renomado dramaturgo inglês que tem marcado presença na telona. Na Londres do início da década de 1960, Greville Wynne mantinha a família de classe média como vendedor de equipamentos industriais para países atrás da Cortina de Ferro, e estava a acostumado a viajar pelo Leste Europeu. Era o cidadão comum e acima de qualquer suspeita que o MI6 e a CIA buscavam para ser o mensageiro do título original, The Courier. A Guerra Fria entrava em um dos seus momentos mais críticos, com a eclosão da Crise dos Mísseis de Cuba e o perigo real da guerra nuclear. Sua missão era intermediar os segredos militares fornecidos por Oleg Penkovsky (Merab Ninidze), coronel da agência de inteligência militar soviética (GRU). É fato que as informações foram decisivas para o desfecho pacífico do conflito.

O Espião Inglês ergue seu arco dramático nas transformações que a situação provoca no até então pacato Wynne. Sem poder revelar à esposa (Jessie Buckley, Estou Pensando em Acabar com Tudo) a verdadeira razão das idas constantes a Moscou, ele vê o casamento ameaçado pela desconfiança – sua moral no quesito fidelidade era baixa. Embora nunca tenha tido acesso ao conteúdo dos documentos, ser instrumento em uma ação daquele vulto eleva o ânimo de Wynne, que se deixa inebriar pelo excitante mundo da espionagem. A trama explora a profunda amizade com Penkovsky, a ponto de o inglês arriscar a própria pele para tentar salvar o russo quando o cerco se fecha.

Se o primeiro ato de O Espião Inglês beira a aventura, na segunda parte o choque de realidade é perturbador. Cumberbatch fez um intervalo de três meses nas filmagens para poder emagrecer os 10 quilos que seu personagem perde na prisão soviética, onde sofre todo tipo de tortura. O imbróglio diplomático e jurídico que se estabelece imprime densidade à produção. Embora fictícia, a agente da CIA interpretada por Rachel Brosnahan (Sou Sua Mulher) ganha visibilidade nessa fase. Wynne escreveu dois livros sobre a experiência, The Man from Moscow (1967) e The Man from Odessa (1981), e há imagens reais no YouTube da entrevista que concedeu após a soltura. Em tempo: o filme seguinte de Cumberbactch foi o ótimo O Mauritano, novamente uma história real.

Ficha Técnica

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