O Beco do Pesadelo

O Beco do Pesadelo é estranho, não necessariamente agradável, mas não vai ser hoje que um filme de Guillermo del Toro passa despercebido. É o retorno à tela grande do cineasta, quatro anos depois dos quatro Oscar vencidos por A Forma da Água. Encabeçado por Bradley Cooper e Cate Blanchett, o elenco estrelado dá corpo à adaptação do clássico da literatura norte-americana O Beco das Ilusões Perdidas, de William Lindsay Gresham, lançado pela editora Planeta. Em 1947, o galã Tyrone Power interpretou o protagonista, Stanton Carlisle, mas não falta charme à atuação de Cooper nesse legítimo filme noir.

Depois de incinerar sua casa com um corpo dentro, é como forasteiro que Carlisle chega a um circo de bizarrices nos arredores da Nova York da década de 40. A principal atração é um homem selvagem que arranca, a mordidas, a cabeça de galinhas em troca de alimento. Na realidade, um bêbado maltrapilho garantindo a birita diária. Carlisle se engraça com a inocente Molly (Rooney Mara), que finge receber descargas elétricas, e aprende a arte da vidência com o excêntrico casal formado por Toni Collette e David Strathairn. Mediunidade que nada, é charlatanismo mesmo. Mas nosso anti-herói enxerga ali uma oportunidade, e O Beco do Pesadelo narra sua epopeia no ramo da picaretagem.

Fiel aos signos do noir, o diretor mexicano faz seu ambíguo protagonista trafegar entre luzes e sombras como o adivinho que entretém a elite de Manhattan. Só que a mulher fatal em seu caminho é a sedutora psicanalista Lilith (Cate Blanchett), que também tem planos para o bonitão que diz falar com os mortos. É banhado em tragicidade o universo dessas pessoas de moral distorcida e sedentas de poder, que fazem o pior uso possível do livre-arbítrio. Del Toro tem aqui a tempestade perfeita. Seu fascínio por monstruosidades vem lá do início, nos anos 90. O espírito de A Espinha do Diabo, o demônio Hellboy, os seres mitológicos de O Labirinto do Fauno, o alien de A Forma da Água e agora...

Como exímio criador de mundos, o cineasta cerca-se do melhor em cenários, figurinos, fotografia e trilha sonora, para abrigar suas novas criaturas. Pois é, no caso, nós mesmos. Salvo algumas almas decentes, a fauna humana em cena é nefasta e bem podia estar em extinção. William Lindsay Gresham, autor do romance, fez fama e dinheiro ao incutir nos personagens seus tormentos físicos e mentais, como o alcoolismo e a depressão. Infelizmente, não conseguiu escapar do próprio beco e cometeu o suicídio em 1962, aos 53 anos. Que Guillermo del Toro continue a exorcizar os seus demônios no cinema.

Ficha Técnica

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