No Coração do Mundo

Há um quê de circular na trajetória dos diretores-roteiristas Gabriel Martins e Maurilio Martins, que ao lado do produtor André Novais Oliveira fundaram a Filmes de Plástico, em 2009. A produtora mineira foi berço do premiado curta-metragem Contagem (2010), que já apresentava alguns personagens centrais, estéticas e éticas agora mais desenvolvidos no longa No Coração do Mundo, que chega aos cinemas como uma comemoração dos dez anos da Filmes de Plástico e da persistência e coerência artística de seu trio fundador.

Na periferia da grande Belo Horizonte, o ritmo acelerado das ruas, dos ônibus suburbanos e do comércio mambembe contrasta com a malemolência de Marcos (Leo Pyrata), o peão narrativo do filme. É em torno desse homem feito, que ainda mora com a mãe, Dona Sonia (Rute Jeremias), sem trabalho e sem futuro, que orbitam Ana (Kelly Crifer), Beto (Renato Novaes), Selma (Grace Passô, de Praça Paris), Miro (Robert Frank), Rose (Barbara Colen, de Bacurau) e Brenda (MC Carol de Niterói), numa ciranda embaraçada de afetos, desejos e becos sem saída.

Ana, namorada de Marcos, é cobradora de ônibus e cuida do pai doente. No dia do aniversário dele, em meio a uma declaração de amor pública de Ana no meio da praça, Beto, a mando de Marcos, elimina o cara errado. Sobra para Miro, vendedor de uma loja de roupas e sua amante, Rose, dona de um salão de beleza, ajudar o irmão Beto a sair de cena. Enquanto isso, Marcos e Selma começam um negócio de fotografia, mas acabam sendo seduzidos pela boa grana de um roubo, e convencem Ana a participar. Os ajustes de contas, inevitáveis, quando chegam, transcendem a ficção para denunciar uma realidade social gritantemente injusta, paralisante, sufocante. 

Os Martins (que não são irmãos) sabem filmar. Fazem um instigante jogo de planos e enquadramentos, já anunciado no curta Contagem. Eles também sabem construir personagens, dar-lhes lastro e vida interior, e conduzir seu ótimo elenco a interpretá-los no tom e na intensidade exatos. Contam com a ótima direção de fotografia de Leonardo Feliciano (Arábia), tanto para dar à periferia uma insuspeitada – e às vezes incômoda - beleza, como para usar o jogo de claro e escuro como um espelho das motivações dos personagens. Utilizam a trilha sonora como elemento importante da sua linguagem, com efeitos de sentido preciosos. E o mais importante: sabem contar a história, com ritmo próprio, às vezes vagaroso até, como se quisessem, como seus personagens, evitar o abismo à frente. Talvez inevitável.

Ficha Técnica

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