Nós

É enorme a expectativa ao redor de Nós, o segundo longa de Jordan Peele. Em 2017, o cineasta provocou um terremoto no gênero terror com Corra!, que levou o Oscar de melhor roteiro original. Não é pouca coisa para uma produção independente rodada em 23 dias, com orçamento US$ 4,5 milhões. A bilheteria mundial de US$ 255 milhões o colocou na história como o primeiro roteirista, produtor e diretor afro-americano a bater os US$ 100 milhões de box office em um filme de estreia.

A sequência inicial de Nós é enervante. Em 1986, a garotinha Adelaide se afasta dos pais no parque de diversões do calçadão da praiana Santa Cruz, e vai parar em um labirinto de espelhos onde tem uma traumática experiência. Nos dias de hoje, e já na pele de Lupita Nyong’o (Pantera Negra), Adelaide volta à cidade da costa da Califórnia, agora com o marido e um casal de filhos. A aflição da personagem por estar ali se justifica quando são atacados... por eles mesmos – ou melhor, por suas versões sombrias. E chega de informação, para evitar spoilers.

Se em Corra! Peele banha o terror com humor negro e tece sua incisiva crítica social ao subverter certos signos do racismo, em Nós ele dá um passo adiante. Desafia o público com uma obra aberta a inúmeras leituras – e dá-lhe debate após a sessão. Embora a quantidade maior de personagens descentralize o foco e, de certa forma, comprometa a empatia com a protagonista, a narrativa tem outro nível de sofisticação e complexidade.

Em nova parceria com o diretor, Michael Abels compõe uma sublime trilha sonora, em que acordes lúdicos e sinistros se revezam com euforia, e ditam o ritmo de montagem desse quebra-cabeça macabro. Peele não dá ponto sem nó. Nós remexe, cutuca, expõe e grita o drama das classes que ainda não têm voz na autoproclamada sociedade ideal norte-americana. A ideia do duplo é explorada na mise-en-scène precisa - dos espelhos aos gêmeos -, que emoldura o inexorável confronto do país com uma camada de si próprio cuja existência insiste em negar.

Guarde esta informação: versículo bíblico Jeremias 11.11 – “Portanto, assim diz o Senhor: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei.”

Ficha Técnica

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