Entre Tempos

É possível filmar memórias? E as memórias de um casal apaixonado? Poucos cineastas conseguiram chegar tão perto de um registro imagético tão palpável de algo tão fugidio como a memória e, sobretudo, a metamorfose dela nas lembranças com o passar do tempo, o impacto de novas experiências, o amadurecer. O romano Valerio Mieli o faz com rara beleza.

Ele (Luca Marinelli, Uma Questão Pessoal) e Ela (Linda Caridi) são os jovens enamorados sem nome que contam algumas de suas histórias de amor para o amigo Marco (Giovanni Anzaldo, A Espera) e a nova namorada dele. Já se estabelece logo ali a tessitura narrativa e a textura artística do filme – é o relato de um romance feito tanto das experiências de um casal como de suas memórias delas. Ele é taciturno, pessimista, às vezes sombrio. Ela é vibrante, otimista, quase sempre leve. Os dois são professores, namoram, vão viver juntos na casa onde Ele passou a turbulenta infância e adolescência. A vida conjugal traz, como de costume, a sua dose de desencanto e dificuldades.

Sim, a história a princípio pode até parecer convencional, mas não há nenhum traço disso na maneira como Valerio Mieli a concebeu e realizou. Se o título original Ricordi? (Lembra-se?) denota a flexão reflexiva do verbo lembrar ou recordar, Entre Tempos, o título em português, alude ao tráfego constante do casal no presente e passado das várias versões de sua intensa história de amor.

O talento notável de Mieli já se apresenta no roteiro, lírico, verossímil, verdadeiro. O diretor conta com um elenco mais do que enxuto, capaz de dar a envergadura emocional que o ótimo texto exige. A mágica se completa com locações belíssimas em Roma e na região vizinha do Lácio, a fotografia (premiada com o Globo de Ouro italiano) de Dario d’ Antonio e a montagem de Desideria Rayner - além da direção de arte, figurinos, maquiagem, até a trilha sonora inspiradíssima.

Quando começou no cinema há exatos dez anos, com Dez Invernos (Dieci Inverni, inédito no Brasil), Mieli recebeu vários prêmios de Melhor Filme de Estreia. Agora, com este novo romance, conquistou no Festival de Cinema de Veneza o Prêmio BNL de Melhor Filme eleito pelo Público, Menção Especial do prêmio FEDIC, e Linda Caridi foi escolhida a Melhor Atriz Revelação. Todos merecidos. Entre Tempos é daqueles filmes para se ver no cinema, na sala escura, se deixar mergulhar na sua beleza e no seu sentimento, bem à flor da pele, bem ao estilo italiano.

Ficha Técnica

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