Deslembro

A trajetória vitoriosa da estreia em ficção da diretora Flavia Castro (Diário de Uma Busca) em festivais já traz a medida de seus acertos. Integrou a seleção oficial de Veneza (Itália), trouxe de Biarritz (França) o Prêmio da Crítica, e conquistou no Festival do Rio os prêmios do Público, da Crítica e de Melhor Atriz Coadjuvante, para Eliane Giardini. Ela é Silvia, a avó de Joana (Jeanne Boudier), adolescente órfã de um militante político, desaparecido nos porões do DOPS quando a filha era criança.

Criada em Paris pela mãe exilada, com o novo marido dela, um chileno também exilado, e seus dois meios-irmãos, Joana não quer voltar ao Brasil com a família, por ocasião da Lei da Anistia, em 1979. Com uma certa razão. No Rio de Janeiro, o padrasto envolve-se novamente com a militância, a mãe sai para trabalhar, e ela fica responsável por cuidar da casa e dos irmãos.

Com traços autobiográficos, Deslembro se constrói nos tentáculos afetivos que emanam de Joana. A avó, que ela acaba de conhecer, faz a ponte com o pai e um passado dolorido que a protagonista começa a relembrar em flashes, sensações. Da mãe (Sara Antunes, de Se Deus Vier Que Venha Armado), a filha espera respostas que nunca vêm, talvez doloridas demais para serem pronunciadas. A ausência do padrasto espelha um abandono que ela gostaria de conhecer menos, e por isso sabe tanto amenizá-lo para os irmãos. São os novos amigos cariocas, o primeiro amor e o primeiro beque que lhe permitem viver a adolescência como ela deveria ser.

A cineasta extraiu dos atores, inclusive a estreante Jeanne Boudier e o elenco infantil, atuações grandiosas, mas discretas, sutis, como deveria ser. A produção conta com muitas presenças femininas atrás da câmera. Em cada movimento há livros e leituras, música e canções, poesia, um mosaico de referências afetuosas que acolhem Joana no seu próprio exílio e a ajudam, espera-se, a transformá-lo em lar. Lembrando e deslembrando.

Ficha Técnica

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