Carvão

De longe um dos melhores filmes nacionais de 2022, Carvão passou pela Mostra SP e pelos festivais de San Sebastián, Toronto e Rio de janeiro – deste último saiu com os troféus de melhor roteiro, atriz coadjuvante e direção de arte. A estreia em longas da diretora e roteirista Carolina Markowicz (guarde este nome) é de uma sagacidade cortante. É drama familiar, suspense, policial, horror e, por que não, romance.

A história de uma família simples do interior de São Paulo em situação-limite beira o absurdo sem tirar o pé da realidade. O enredo burla clichês com um desvio atrás do outro. A calmaria dura apenas o tempo de conhecermos Irene (Maeve Jinkings), o marido, Jairo (Rômulo Braga), o filho, Jean (Jean Costa), e o pai dela, que tem problemas de saúde e praticamente não sai da cama. Eles sobrevivem da pequena carvoaria que fica no terreno da casa, mas a crise financeira é grave.

Tudo muda quando uma enfermeira vem atender o idoso. Essa personagem, que deu o prêmio de coadjuvante no Rio para Aline Marta, parece saída de um filme de terror. Dela vem a proposta de hospedar um estranho na casa, em troca de uma boa quantidade em dinheiro. Mas arranjos precisam ser feitos para recebê-lo, e o primeiro é apenas um dos muitos baques e reviravoltas imprevisíveis de Carvão.

“Cresci no interior de São Paulo e a atmosfera conservadora, do que pode ser, do que não pode ser, do que é constrangedor, da performance social, isso sempre me deixou instigada”, diz a diretora Carolina em conversa com OQVER, ao lado da protagonista (veja vídeo a seguir). “Queria fazer algo em relação a essa coisa vigilante de viver ali”. É preciso coragem para abraçar tantos temas polêmicos em uma trama aparentemente simples, mas a cineasta vai fundo. Eutanásia, homossexualidade, preconceito, crueldade, recomeço e, talvez o mais tocante, a influência do ambiente na formação infantil.

Interpretado pelo argentino César Bordón, o misterioso estrangeiro é o mais “normal” no que se espera de um suposto traficante. Sua presença provoca transformações e faz brotar, digamos, o lado B de seus anfitriões. “São personagens violentados pela realidade”, comenta Maeve Jinkings, excelente como a matriarca. “Todos são agentes de violência em alguma medida, mas acima de tudo são corpos violentados.” Como bem diz Carolina, Carvão é “complexo, arriscado, nada contemplativo”. Uma pancada.

Ficha Técnica

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