Anatomia de um Escândalo

Sophie Whitehouse (Sienna Miller, Crime Sem Saída) é uma mulher invejada pela alta sociedade londrina. É linda de morrer e casada com seu colega de Oxford, James Whitehouse (Rupert Friend, Um Pequeno Favor), pai de seus dois filhos e agora um galante ministro em franca ascensão no Parlamento Britânico. Como anuncia o título da produção da Netflix, Anatomia de um Escândalo disseca o desmoronamento dessa estrutura impecável. O primeiro tijolo cai quando a imprensa revela o caso dele com uma funcionária, e com detalhes picantes do sexo que fizeram no elevador da Casa dos Comuns, a nossa Câmara dos Deputados. O segundo, ou melhor, centenas de tijolos despencam quando a amante, Olivia (Naomi Scott, Aladdin), o acusa de estupro.

Criada por David E. Kelley (Big Little Lies) e Melissa James Gibson (House of Cards) a partir do romance de Sarah Vaughan, a minissérie é um instigante drama de tribunal. O triângulo feminino se completa com Kate Woodcroft (Michelle Dockery, Downton Abbey), como a advogada da acusação que vê no caso bem mais que um desafio profissional – aguarde uma revelação bombástica no fim do quarto episódio. Com personagens multifacetados para desenvolver, a narrativa em seis episódios se alterna entre o caótico presente e a juventude dos protagonistas. Anatomia de um Escândalo é um atestado de legitimidade do movimento #metoo, mas sem cair na tentação da panfletagem.

Embora use um efeito especial estiloso em momentos nos quais os personagens “perdem o chão”, a diretora S.J. Clarkson se contenta com uma mise-en-scène convencional e não escapa de clichês. O tradicionalismo machista do clã Whitehouse expresso no discurso da sogra de Sophie em defesa do filho soa bem novelinha. Já o romance da advogada Kate com um homem casado é artifício mal explorado e preguiçoso para sinalizar sua reticência ao relação ao amor. É preciso elogiar, porém, o cuidado do roteiro na questão do assédio sexual ao inserir informações pertinentes ao universo jurídico que emoldura a história. Entre as mais alarmantes, o fato de o estupro da mulher pelo marido só ter sido considerado crime no Reino Unido a partir de 1991. Aff...

De longe a melhor em cena, Sienna Miller é a única com um arco dramático marcante. Ao lidar com a traição do marido e ver sua vida familiar e amorosa ruir, Sophie é obrigada a olhar para si mesma e o que vê nem sempre é agradável. É como se a realidade de sua relação com James se descortinasse sem os filtros criados por ela mesma, desde os tempos de juventude. A reconstrução de sua narrativa pessoal é uma tomada de consciência tão dolorosa quanto libertadora. E a cartada que ela dá no desfecho é triunfal.

Ficha Técnica

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