Agente Duplo

O senhor Sergio Chamy tem 83 anos e ficou viúvo há pouco. Ficar em casa é um sofrimento, porque tudo lhe traz memórias da saudosa esposa. De olho no jornal, ele acha um anúncio curioso: “Precisa-se de homem adulto, entre 80 e 90 anos, com boa saúde, discreto e hábil com tecnologia. Para realizar investigação, com disponibilidade para viver fora de casa por 3 meses”. Bingo! Os filhos não gostam da ideia, mas Sergio consegue a vaga na agência de detetives. Sua missão: infiltrar-se em uma casa de repouso como interno para descobrir para uma filha preocupada se a mãe dela está sendo bem tratada.

Essa história inusitada é real. A produção chilena Agente Duplo concorre ao Oscar 2021 de Melhor Documentário, e estava na pré-lista na categoria de Filme Internacional. A ideia original da cineasta Maite Alberdi era registrar o universo dos detetives particulares e fazer um documentário no estilo do cinema noir dos anos 1940. O projeto tomou outra forma quando conheceu Romulo Aitken, ex-agente do FBI que abriu a própria agência, e que foi o único que lhe permitiu acompanhar e filmar sua rotina de trabalho. Bem quando surgiu o caso do asilo, o agente profissional encarregado quebrou o quadril. Daí o anúncio no jornal e a chegada de Sergio entre os mais de 50 candidatos.

Maite aproveitou o fato de já ter lançado dois documentários sobre a terceira idade (Yo No Soy de Aquí e La Once) para ter acesso ao asilo. Oficialmente, o filme seria sobre o dia a dia dos idosos, com foco em novos internos. Assim, seguir os passos de Sergio não causaria estranhamento. O fato de ser agente de primeira viagem o torna também um personagem. Durante o preparo, Sergio recebe de Romulo gadgets no melhor estilo 007, como óculos e canetas com câmeras escondidas. Sua tarefa é passar relatórios diários das descobertas. Então o que vemos é esse senhor em ação, a princípio numa posição de distanciamento. Mas a relação se estreita com a convivência com os cerca de 50 idosos que moram ali, grande parte mulheres – uma delas até se enamora dele.

Há algo de aventuresco e melancólico em Agente Duplo. As descobertas do protagonista não são bem o que esperava a mulher que contratou a agência, porém os relatos que ele faz a Romulo são reveladores. A solidão e o abandono é o que grita no coração desse senhor que tem o privilégio de ser cuidado e amado por seus filhos e netos. Bem diferente da grande maioria de seus novos amigos, que contam apenas com o carinho e a dedicação dos funcionários, e sofrem pela ausência dos próprios familiares. Embora a situação seja real e dramática, Agente Duplo não é um filme pesado. Mérito da diretora, que deixou a perspectiva de Sergio e seu olhar terno definir o tom geral.

Detalhe: Maite revelou posteriormente à direção do asilo que Sergio era parte da equipe do documentário, mas como todos gostaram do resultado, não houve objeção para o lançamento do filme.

Ficha Técnica

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