Spencer

Em 1991, Diana estava casada havia uma década com o herdeiro do trono inglês, o Príncipe Charles, com quem teve William e Harry, então com 9 e 7 anos. O divórcio foi selado em 1996, um ano antes de sua trágica morte, aos 36 anos. Mas naquele início dos anos 1990 a união já havia chegado ao fim, abalada pela relação cada vez mais pública entre Charles e Camilla Parker Bowles, e pelos rumores das traições de Diana. O estado de espírito da Princesa de Gales é captado pelas lentes de Pablo Larraín em Spencer. Com Kristen Stewart admirável como a protagonista, a trama se passa durante o fim de semana de Natal, com a família real reunida na casa de campo de Sandringham, em Norfolk.

Diana chega atrasada ao castelo, onde os hóspedes são obrigados a se pesar na entrada e na saída. É tradição deixar documentado os quilos ganhos com a boa mesa. A sequência do preparo de um banquete arma o clima da opulência que parece desagradar profundamente a princesa, que na época lutava contra a bulimia. À rotina de comilança somam-se as caçadas, outro estorvo para a amante dos animais. É uma Diana angustiada, sufocada, carente, rebelde e, acima de tudo, aprisionada que preenche a tela. Não à toa está obcecada pelo livro sobre Ana Bolena que encontra no quarto. Em 1536, a Rainha Consorte foi encarcerada e executada a mando do marido, Henrique VIII.

A convivência com dois funcionários movimenta a narrativa. “Mantenha a postura e sorria bastante”, aconselha Maggie (Sally Hawkins, A Forma da Água), a camareira responsável por vesti-la com um guarda-roupa pré-estabelecido para cada ocasião. É uma relação de ternura, com alguém que se compadece do debilitado estado físico e mental da patroa. Já com o Major Gregory (Timothy Spall, Acertando o Passo), responsável pela segurança, o contato é marcado por tensão e cobranças. Não é novidade que Diana sofria por se ver obrigada a interpretar o papel que foi desenhado para ela. A tristeza é sentida por William, que a ampara embora pouco possa ajudar. Mas é nas cenas com os filhos que seus olhos brilham. Ali ela está inteira, como Diana Frances Spencer.

Conhecido e premiado por abordar temas espinhosos em filmes como O Clube, sobre abusos da Igreja Católica, e No, retrato do plebiscito pelo fim do governo ditatorial de Augusto Pinochet, o cineasta chileno nunca facilita a vida do espectador - e isso é ótimo. Assim como fez em Jackie, com a ex-primeira-dama dos Estados Unidos iluminada nos dias que se seguiram ao assassinato do presidente John F. Kennedy, Larraín escapa das amarras das cinebiografias tradicionais com um recorte de um período especialmente frágil de Lady Di. Com uma fotografia majestosa, o quadro que ele pinta em Spencer respinga suas cores, ora pastéis, ora saturadas, na monarquia britânica.  

Larraín se arriscou ao escalar uma atriz americana para dar vida a um ícone britânico, ainda mais a estrelinha do fenômeno juvenil Crepúsculo. A verdade é que faz uma década que Kristen Stewart deixou a vampirada e entrou para o time de estrelas que atua para cineastas do porte de Walter Salles (Na Estrada), Olivier Assayas (Acima das Nuvens) e Woody Allen (Café Society). Sua entrega em Spencer é notável e a indicação ao Oscar foi mais que merecida. 

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