A Assistente

O dia ainda não raiou quando Jane (Julia Garner, série Ozark) chega ao escritório de uma grande agência de talentos em Nova York. Recém-formada na prestigiada Northwestern, ela trabalha há pouco mais de um mês como assistente do chefão. Jane sonha ser produtora de filmes e sabe da importância de conhecer o métier. Logo chegam mais dois assistentes (homens). Um deles joga papéis amassados em Jane quando precisa de algo. O espectador percebe rápido que há algo muito tóxico no ambiente.

A Assistente é a primeira ficção da documentarista Kitty Green (Quem é JonBenet, da Netflix). Ela acompanha o longo dia de Jane sem desgrudar um segundo de sua protagonista. Em 2017, quando estourou o escândalo envolvendo Harvey Weinstein, o cabeça da Miramax, a cineasta entrevistou inúmeros funcionários da produtora. Ouviu relatos que iam além do assédio sexual, um pacote que incluía maus tratos, abuso psicológico e uma aura nociva que atingia não só as mulheres.

Kitty seguiu a pesquisa em outras empresas e suas descobertas formam o estofo desse enredo simples apenas no formato, porque a estupenda atuação de Julia Garner é de um minimalismo cirúrgico. Jane sofre em silêncio toda sorte de abusos, escamoteados por uma suposta normalidade. Escapa do sexual porque lhe informam que não faz o tipo do chefe. A diretora dá o pulo do gato ao não dar rosto e nem nome a esse predador que é extremamente grosseiro com Jane ao telefone, num sórdido exercício de poder.

Ela acompanha a entrada das “presas” no escritório dele, mas decide dar um basta quando leva uma linda recém-contratada assistente para um encontro com o patrão em um hotel. Jane procura o setor de Recursos Humanos e fala de suas suspeitas para o personagem de Matthew Macfadyen (A Batalha das Correntes). O diálogo sensacional ilustra o quanto esse modus operandi está enraizado. Os funcionários não são apenas coniventes, como parecem contagiados pelos maus hábitos do chefe.

A Assistente é um filme silencioso sobre um tema barulhento. A rotina de Jane é exaustiva não pela quantidade de tarefas, mas pelo peso da opressão. Ela é sempre a primeira a chegar e só não é a última a sair naquele dia porque o patrão – casado por sinal – avisa que vai ficar até mais tarde “atendendo” uma aspirante a atriz. Esse lobo mau sem identidade é todo e qualquer chefe, homem ou mulher, que comete abuso de autoridade. Um pequeno filme, com garras enormes.

Ficha Técnica

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