Blue Jean

Em 24 de maio de 1988, o governo da primeira-ministra Margaret Thatcher promulgou a chamada Seção 28, lei que proibiu autoridades locais de “promover ensino em qualquer escola que incentive a aceitabilidade da homossexualidade como relação familiar”. O hostil ambiente político emoldura Blue Jean, que se debruça sobre a vulnerabilidade de uma protagonista atingida profundamente pela emenda, revogada em 2003. Essa surpresa do cinema independente britânico não cai na armadilha lacradora. O fator humano eleva a dor da discriminação a um lugar muito mais significativo que o do discurso raivoso.

Estreia em longas da diretora e roteirista Georgia Oakley, Blue Jean é inspirado em história real e tem como trunfo a atriz Rosy McEwen, em performance vencedora do British Independent Film Awards 2022. Ela acerta todas as notas dramáticas como Jean, professora de educação física de uma turma do ensino médio, que mantém sua sexualidade em segredo, temerosa do ostracismo e da demissão. Embora discreta, Jean sente o olhar invertido de vizinhos e não parece confortável nem no clube noturno onde encontra as amigas e a namorada, Viv (Kerrie Hayes), essa sim resolvida e à vontade com seu visual masculinizado. A tensão aumenta com a chegada de uma nova aluna, Lois (Lucy Halliday), que frequenta o mesmo bar.

O Blue (azul) do título é a cor primordial de uma fotografia cujas tonalidades não estão só nos filtros azulados que iluminam a beleza de Jean. O azul predomina em figurinos e objetos, como uma força opressora sobre essa mulher em sofrido processo de autoaceitação. A trilha sonora, com hits como “Blue Monday”, do New Order, e “First True Love Affair”, na voz de Jimmy Ross, resgatam o ritmo oitentista. Mais do que isso, na verdade. A cuidadosa reconstituição de época reforça a periodização de mais de três décadas de luta pelos direitos LGBT+.

Relações familiares e revelações sobre o passado de Jean pontuam um enredo intimista e de poucas palavras, interessado no maremoto psicológico e emocional que define seu ora assertivo, ora frágil, ora errante posicionamento. Sobram situações desafiadoras. A mais complicada delas, sem dúvida, é o bullying contra a nova aluna. Jean (ainda) não sabe o que, como e quando fazer algo em defesa de si e de outros que vivem à sombra de si mesmos, condenados à clandestinidade pelo estigma social.

Claro que o foco da cineasta recai sobre um universo específico, mas qualquer indivíduo com um mínimo de empatia é capaz de acessar o medo da rejeição e o desejo do pertencimento que acometem a protagonista. Blue Jean é cinema engajado, mas as bandeiras tremulam sem violência ou ostentação. Não há respostas simples, muito menos soluções fáceis. Há, sim, um movimento em busca de mudanças, de compreensão, de evolução.

Ficha Técnica

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