Ripley

Uma das damas da literatura policial, a norte-americana Patricia Highsmith (1921-1995) era uma figura complexa, para dizer o mínimo. “As obsessões são as únicas coisas que importam”, disse certa vez. Com Tom Ripley, seu mais célebre personagem, ela afinou o thriller psicológico em uma saga de cinco volumes. Golpista sociopata e assassino, Ripley fez sua estreia em 1955, em O Talentoso Ripley, levado aos cinemas como O Sol Por Testemunha em 1960, com Alain Delon no auge da sedução.

Apesar das cinco indicações ao Oscar, falta sutileza à versão com Matt Damon capitaneada por Anthony Minghella em 1999. Jude Law e Gwyneth Paltrow completam a trinca deste último, que está disponível na Netflix. Vale ao menos espiar antes ou depois de se jogar em Ripley, a série em oito episódios escrita e dirigida por Steven Zaillian, vencedor do Oscar de roteiro adaptado por A Lista de Schindler. Seu olhar sobre o obscuro anti-herói é de uma sofisticação tamanha que eleva o nível do catálogo da plataforma.

Famoso como o padre da série Fleabeg, o irlandês Andrew Scott foi destaque na última temporada de prêmios pelo drama sobrenatural Todos Nós Desconhecidos. Continua em ótima fase como a mais ambígua encarnação de Ripley. Sua desenvoltura no mundo da trapaça se dá menos pelo charme e mais pela ardilosa sagacidade. Se a amoralidade é sua escudeira, o ímpeto de sobrevivência lhe confere humanidade. A homossexualidade, acentuada na versão com Damon, aqui fica na penumbra.

Essa personalidade enigmática surge em um quartinho de quinta categoria em Manhattan na entrada dos anos 1960. Ali usa a máquina de escrever para forjar documentos e identidades (é ótimo imitador) e com eles roubar o dinheiro alheio, mas a safra não está boa. Daí Ripley aceitar o chamado de um poderoso industrial, para que vá à Itália abreviar a rotina de bon-vivant do filho, Richard “Dickie” Greenleaf. Ele desembarca em Atrani, na belíssima Costa Amalfitana, onde se apresenta como um conhecido dos tempos de faculdade e se entrosa com Dickie (Jonnhy Flynn) e a desconfiada namorada, Marge (Dakotta Fanning).

Nápoles, San Remo, Roma, Palermo e Veneza são paragens da nefasta travessia, em que Ripley comete armações e assassinatos para se apossar da luxuosa vida de Dickie. A entrada em cena do inspetor Pietro (Maurizio Lombardi) oficializa o gênero noir, emoldurado pela ofuscante fotografia em preto e branco assinada por Robert Elswit, vencedor do Oscar por Sangue Negro (2007). Não à toa, a trama enlaça Ripley a Caravaggio (1571-1610), mestre do Barroco com seu tenebroso chiaroscuro. Jogada esperta de Zaillian, que explora a obsessão do protagonista pela obra e a vida do artista, que viveu em fuga após matar um homem.

Quando se dá conta, o espectador se vê hipnotizado por esse vilão cruel e tragicômico. Sim, porque suas habilidades têm limitações, principalmente físicas, que rendem refinadas cenas de humor. Duas curiosidades dignas de nota. Freddie, o amigo de Dickie que saca o picareta de primeira, é vivido por Eliot Paulina Sumner, o filho não binário do músico Sting com a atriz Trudie Styler. Já a participação de John Malkovich é uma saborosa referência ao Ripley veterano que o ator interpretou em O Retorno do Talentoso Ripley (2002), versão de O Jogo de Ripley (1974), o terceiro da série de Patricia Highsmith.

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